sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Os caudilhos no Rio Grande do Sul
Por Voltaire Schilling

Ideologia e História
Os historiadores Loiva Otero Félix e César Guazelli consideram o caudilho um líder carismático, encontrado no século XIX, no contexto das lutas de fronteira.
À medida que se proclama a República, ocorrem alterações significativas no perfil destes chefes político-militares.
“Os coronéis do Império eram incontestavelmente os da fronteira e da Campanha, com nítido acento caudilhista, militar e com influência da Região do Prata.”
“O caudilho gaúcho teve seu poder reconhecido mais pelo consenso do grupo social do que pela força. Na segunda metade do século XIX, seu papel de
chefe eleitoral tornou-se preponderante.”
O Caudilhismo
O caudilho exerce um tipo de poder em sentido restrito. Sua dominação localiza-se em um grupo social determinado e pode estar fundamentada no costume ou tradição, na lei, na graça pessoal ou carisma. Em geral, o caudilho utiliza, como meios para obter essa dominação, o oportunismo político, militar ou religioso, meios econômicos especiais, qualidades peculiares como valor, audácia, poder de persuasão, inteligência, machismo, etc. e ainda o emprego de uma clientela mais ou menos numerosa que pode ser de diferentes classes e incluir desde grupos de camponeses em busca de proteção e ajuda até familiares e amigos, incluindo aqui relações de compadrio, e também, em alguns casos, a orientação de uma bandeira ou partidarismo político.
O Tempo e o espaço do Caudilhismo
SÉCULO XVIII E XIX PAMPA ARGENTINO E URUGUAIO CAMPANHA e FRONTEIRA

O caudilhismo do Rio Grande do Sul, apesar de ter por berço a mesma região geográfica – os campos de fronteira com atividade criatória, sem reconhecer divisões políticas, baseados, isto sim, em situações de parentesco e de atividades econômicas – difere da sua raiz platina, uma vez que, no período pós-independência, os estanceiros-militares ou estanceiros-caudilhos gozavam de ampla autonomia, inclusive fazendo leis e administrando a justiça em seus territórios.
Quem da Pátria a liberdade
defende como um leão?
João
Quem sempre um soldado encontra
no destemido campônio?
Antônio.
Quem na guerra faz brilhar
de república a bandeira?
Silveira.
Vencer a força que oprime
toda nação brasileira
é o que aqui faz com glória
João Antônio da Silveira.
Fernando Diáz
“No Brasil o termo é empregado pejorativamente, no sentido de que o político pretende se apossar do governo por um golpe de força e instalar um governo autoritário”.
César Guazelli
“Assim como a Banda Oriental, como no noroeste e no litoral argentino, o Rio Grande do Sul pastoril, do século XIX, foi caudilhesco, deixando de sê-lo apenas quando a organização do Estado oligárquico contemplou a classe dominante regional com vantagens”.
Tabajara Ruas
“A história do Rio Grande do Sul é análoga à do Prata. Trata-se, ali, de território de caudilho”.
Jacques Lambert
“A América Portuguesa escapou ao caudilhismo sob forma nacional, conheceu-o apenas sob formas regionais, em particular no Estado do Rio Grande do Sul”.
Traços Do Caudilho Rio-Grandense
• Carisma
• Aceitação de seu poder de fato
• Reconhecimento de sua autoridade
• Consenso de seus liderados
• Predomínio de seu papel militar
• Caráter transitório
• Símbolo da identidade coletiva
• Foco de culto pessoal
O Caudilhismo no Rio Grande do Sul
O caudilhismo foi traço marcante no Rio Grande do Sul, em face da ocupação militarizada da área fronteiriça. Não pode ser dissociado de seu contexto platino, já que são constatadas aproximações e semelhanças.
A oligarquia rural é fornecedora de caudilhos, revolucionários e legalistas, tanto em nível regional como nacional, já que a classe dominante rio-grandense, os estancieiros, fazia valer sua posição do poder central, em relação à classe dominante regional, ora apoiando o governo central, se houvesse interesses comuns, ora auxiliando os revolucionários, se em conflito com os interesses oligárquicos.

O Tempo dos Caudilhos
Situa-se entre a independência da dominação espanhola e a consolidação territorial latino-americana.
No Brasil, não há unanimidade entre os historiadores e estudiosos dos movimentos sociais sobre a existência e a importância de caudilhos em nossa história.
Há manifestações caudilhescas desde os conflitos lusoespanhóis na estruturação das fronteiras Argentina, uruguaia e riograndense.
Os últimos a merecerem tal designativo pela imprensa foram Batista Luzardo e Leonel Brizola, nas décadas finais do século XX.
Bento Gonçalves
Estancieiro gaúcho, participou ativamente das campanhas brasileiras do Prata, sendo nomeado Comandante da Fronteira Sul e também Comandante da Guarda Nacional na região. Chefe revolucionário e líder republicano na guerra dos farrapos.
Segundo Rocha Pombo, “banditismo heróico, avesso, tanto ao predomínio de estranhos, como à própria ordem legal interna. A vida móvel e agitada fez do gaúcho um verdadeiro beduíno de campanha. O gaúcho criou o caudilho”.
Proclamação
“Rio-grandenses! Raiou a aurora de vossa felicidade![...] O Brasil em massa se levanta como um só homem para sacudir o férreo jugo do segundo Pedro. É este o momento de mostrardes ao mundo que sois rio-grandenses. Se assim fizerdes vereis em breve tremular o estandarte tricolor em todos os pontos da República; os riograndenses iludidos virão aos vossos braços, e não só salvareis a Pátria como sereis os libertadores do Brasil inteiro. Viva a liberdade! Vivam os rio-grandenses! Vivam nossos irmãos paulistas! Viva a futura Assembléia do Rio Grande.
Quartel General em Cacequi, 13 de julho de1842.
Bento Gonçalves da Silva.
Bento Manoel Ribeiro
Durante a Revolução Farroupilha, em função de seu temperamento singular, mentalidade “mais caudilhesca do que militar”, adotou posições controvertidas e aparentemente inexplicáveis. Militar experimentado e bem relacionado na campanha por laços de parentesco, dispunha de notável clientela.
David Canabarro
Possuía grande tino militar.
Entrou na Revolução Farroupilha um ano depois do seu início, como tenente-coronel, tendo sido promovido a general por suas estratégias de comando nos últimos anos do conflito. Liderou campanhas militares no Rio da Prata. Era “rude, extravagante, descuidado de filigranas morais”, no dizer de Lindolfo Collor.
“Senhor, o primeiro de vossos soldados que transpuser a fronteira fornecerá o sangue com que assinaremos a paz com os imperiais. Acima de nosso amor à República está nosso brio de brasileiros.
Quisemos, ontem, a separação de nossa pátria, hoje almejamos a sua integridade.Vossos homens, se ousarem invadir nosso país, encontrarão, ombro a ombro, os republicanos de Piratini e os monarquistas do senhor D. Pedro II”.
Resposta de Canabarro ao emissário de Rosas.
Bento Manoel Ribeiro
Militar de raros méritos: estrategista, tático, profundo conhecedor do terreno e com grande capacidade de nele se orientar. Líder em combate, na combinação de infantaria e cavalaria. Conhecedor da psicologia de seus homens e dos adversários, dentre estes, os caudilhos platinos.
Antônio de Souza Neto
Para Garibaldi, Neto foi um modelo de cavaleiro. Não era muito “estratégico”. Era um “senhor da espada” e republicano. Defendeu com convicção seus ideais, proclamando a República Rio-grandense. Por suas características pessoais, liderança, coragem, carisma e amor pela guerra, foi considerado um exemplo de caudilho na Revolução de 1835.
Antônio de Souza Neto “...sustentou a Revolução Farroupilha na ausência de Bento Gonçalves.” Othelo Rosa “...uma figura de caudilho (...) Traçada diretamente para a ficção.”
Tabajara Ruas
Manifesto Federalista
Cidadãos! Às armas!
Os inimigos da Pátria, arvorados em governo legal, implantaram nela terror como meio de ação, lançaram mão do punhal para matar em plena paz. (...) O Rio Grande, pátria de heróis, está convertido em terra de escravos.(...) A nossa causa é justa porque queremos reconstruir a nossa pátria sobre bases de liberdade.(...)
Às armas, compatriotas! Lutamos pela liberdade da pátria. Deus será conosco. Viva a Nação Brasileira! Viva o Rio Grande do Sul! Viva o Exército Libertador! Viva o Partido Federal!
General em Chefe, João Nunes da Silva Tavares.
Acampamento na Carpintaria, 05 de fevereiro de 1893.

Gaspar Silveira Martins
Nascido na elite, era rebelde e agressivo. Ávido pela aclamação popular. Constituía o estereótipo do caudilho gaúcho. Alto, de peito cheio e corpulento, com uma barba farta e ajeitada. Sua voz ressoante e mente ágil impressionaram todos os que o conheceram.“Não sabia falar baixo (...). Quando saia do recinto onde tinha palestrado, parecia ficar durante algum tempo no ar, ressonando, o eco de sua voz (...). Era um homem fascinador das massas, condutor de homens, verdadeiro caudilho (...).” Participou da Revolução de 1893. Líder do partido Republicano Federalista.
Gumercindo Saraiva
Caudilho da fronteira. Assumiu uma posição de comando dos homens do campo, que tinham especial admiração pela coragem física, destreza com que dominava o cavalo e pela habilidade em manejar uma lâmina. Foi mais estrategista do que combatente, considerado por alguns, o “Napoleão dos Pampas”. Tornou-se a esperança da Revolução Federalista, levando seus maragatos até o Paraná, ameaçando o governo do Presidente Floriano Peixoto.
João Antônio da Silveira
Fazendeiro e republicano convicto, participou das campanhas platinas, o que lhe rendeu grande prestígio em armas.Integrante da Guarda Nacional, exerceu o poder militar na fronteira e nas Missões, reunindo por sua liderança e carisma, grande força na defesa da causa farrapa. Terminada a Revolução, entra, ao lado do Império, nas lutas do Prata, contra Rosas, e participa, ativamente, da luta contra os paraguaios em Uruguaiana.
Firmino Paim Filho
Em 1923, quando inicia a revolução maragata, Firmino Paim Filho, que era um dos maiores fazendeiros da região nordeste do Estado e coronel da Guarda Nacional, organizada a Brigada provisória do Nordeste, com a qual deu permanente combate às tropas do revoltoso caudilho Felipe Portinho. Em 1924, por ocasião da Revolta dos Tenentes, novamente organiza uma coluna para enfrentar Luís Carlos Prestes, perseguindo-o pelo interior do Brasil.
Firmino de Paula
Grande fazendeiro, teve fundamental importância na propaganda republicana. Era coronel da Guarda Nacional ao iniciar a Revolução Federalista, comandando a 5º Brigada da Divisão Norte, sendo o principal adversário em armas de Gumercindo Saraiva.
Em 1923, chamado novamente pelo governo, organiza e comanda, com oitenta anos, a Brigada Provisória do Norte com a qual deu combate aos revoltosos maragatos.
José Antônio Flores da Cunha
Nasceu em Santana do Livramento.Conforme Arthur Ferreira Filho, teria sido o maior caudilho do moderno Rio Grande do Sul, se não o “prejudicasse” a cultura jurídica e literária. Aderiu á Revolução de 1923, pelo desejo de defender o Partido Republicano. Adquiriu fama de valentia por combater e vencer várias vezes. Ficou conhecido por sua estratégia de guerrilha. “Era homem do Pampa”, impulsivo, violento, amável, emotivo até as lágrimas, capaz de atrair e repelir, de fazer amigos dedicados e inimigos rancorosos.
Joca Tavares
Líder militar, fundador do Partido Federalista e um forte opositor do PRR. Participou de combates contra o governo castilhista, comandou as articulações com os exilados e conquistou o apoio de caudilhos uruguaios para lutar na Revolução Federalista.
Juca Tigre
Aparício Saraiva, irmão de Gumercindo.
(Morto em 1904)
Entre os caudilhos maragatos de 1893, não pode se esquecer o Coronel José Serafim de Castilhos, conhecido na paz e na guerra pelo apelido de Juca Tigre. Era um gaúcho de São Gabriel, violento na ação, mas acessível aos sentimentos de generosidade.
1923 de Caudilhos a Coronéis
Leonel Rocha
Pequeno agricultor e quase analfabeto, Leonel Rocha trabalhava de enxada em terras que não lhe pertenciam, o que o diferencia de todos os demais caudilhos gaúchos. Em 1923, reúne uma coluna de quase mil homens, mantendo combate com a maior e melhor parte da coluna do General Firmino de Paula. Os fazendeiros o desprezavam, os roceiros viam nele um espelho de seus próprios sentimentos, um depositário de suas insatisfações, preconceitos e de suas vagas esperanças.
Vazulmiro Dutra
Cumpriu as etapas de um genuíno caudilho, conforme escreve Loiva Otero Félix. Exercitou-se na vida econômica, foi estancieiro, assumiu papel político e adquiriu condição de chefe militar.
Patriarca como o foram quase todos os caudilhos do Rio Grande do Sul, exerceu diversas funções públicas. Participou da Revolução de 1923, ao lado do Partido Republicano Rio-grandense, limitando sua ação à região de Palmeira das Missões. Existem várias tendências da historiografia sobre a presença dos caudilhos no Rio Grande do Sul.
Moacyr Flores
“No Brasil, o termo é empregado pejorativamente, no sentido de que o político pretende se apossar do governo por golpe de força e instalar um governo autoritário”.
Júlio Pimentel Pinto
“O caudilhismo é a representação de uma epopéia do povo hispanoamericano para definir os rumos dos Estados que então se formavam.”
Moisés Velhinho
“...pontos de parecença entre os tipos sociais do gaúcho riograndense e do platino existem, sem dúvida, mas se restringe às peculiaridades decorrentes do mesmo sistema o pastoreio desenvolvido num cenário semelhante. A história do Rio Grande do Sul desconheceu inteiramente a figura do caudilho e do caudilhismo.”
Honório Lemes
(O Leão do Caverá)
Sem grandes posses materiais e com pouca instrução, participou da Revolução Federalista (1893-5), ao lado de Silveira Martins.
Em 1923, voltou às armas, desta feita contra Borges de Medeiros, liderando os maragatos na região oeste do Estado, tendo como base a Serra do Caverá, que foi o santuário do caudilho, justamente apelidado “O leão do Caverá” e tropeiro da liberdade.
Em 1924, apoiou sublevação tenentista nos quartéis do exército no interior do Rio Grande do Sul, entre eles, a da guarnição de Santo Ângelo, liderada por Luís Carlos Prestes. Tropeiro da Liberdade Honório Lemes em sua a poesia “O Testamento” escreveu a certa altura: “Se pretendem me entregar a minha cortante espada podem dar ao camarada General Flores da Cunha que me pegou quase a unha e não quis me fazer nada.”
“Em todos os partidos há homens bons e maus. Os bons são em maior número, mas os maus são mais audaciosos e por isso andam sempre na frente, sendo necessário cortar-lhes a ação...”
Felipe Portinho
Liberal ferrenho, em 1893, Felipe Portinho levanta armas contra Júlio de Castilhos, destacando-se no malogrado ataque à cidade de Rio Grande. Em 1923, não mais morando no Estado, volta para o Rio Grande do Sul para lutar pela Revolução na zona nordeste do Estado. Portinho nunca sofreu derrota campal, sendo considerado, por muitos, o mais capaz dos revolucionários de 1923.
João Francisco
(Hiena do Cati)
Mantinha seu quartel-fortaleza no município de Quaraí, cuja finalidade era vigiar possíveis invasões revolucionárias, procedentes do Uruguai. Pertencia ao PRR, que obedecia à chefia de Borges de Medeiros. Era conhecido pelo estribilho: “Se Deus quiser, João Francisco e a mulher”, detalhe que caracteriza o poder que exerceu sobre o sudoeste rio-grandense, durante 15 anos.

Bibliografia
Acervo do Memorial do Rio Grande do Sul
História do Brasil, Vol. II. Bloch Editores
Antigas Fazendas do Rio Grande do Sul – Lourdes Noronha Pinto
História Ilustrada do Rio Grande do Sul – RBS Publicações

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