quarta-feira, 13 de abril de 2011

Saiba mais sobre a crise do sistema colonial na América portuguesa

CNDL - Colégio Notre Dame de Lourdes

Terceiro Ano - Primeiro Bimestre

Coleção Pitágoras

A Crise do Sistema Colonial



Nas últimas décadas do século XVIII ocorreram grandes transformações no mundo ocidental. Filósofos e cientistas propunham novas maneiras de "olhar" o mundo, e de se relacionar com ele. A concepção de uma sociedade estática e estratificada, na qual o homem já encontrava o seu destino traçado ia sendo transformada. O homem passava a ser o construtor de seu tempo, de sua história. A Revolução Industrial Inglesa, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa foram os marcos dessa modernidade. Na Europa ocidental, o novo pensamento liberal impulsionou a queda dos regimes absolutistas levando, para suas colônias, o rastilho da Independência. Na América portuguesa os colonos percebiam que estava em suas mãos a possibilidade de mudar o rumo dos acontecimentos, tornando-se autores de sua própria história. Nas sociedades literárias e nas lojas maçônicas discutiam-se, em segredo, "as infames idéias francesas" de Felicidade, Fraternidade, Igualdade e Liberdade. Tramavam-se os movimentos conhecidos como Conjurações, que tiveram lugar em vários pontos da Colônia, nos últimos anos do século XVIII.


Inconfidência Mineira Entre 1740 e 1780 a produção do ouro de aluvião das Minas caiu, de mais de 20 toneladas para cerca de 8 toneladas. Em 1760, já se tinha instalado a crise do ouro das minas brasileiras. Em Lisboa, o descontentamento e a preocupação eram grandes. O Governo português entendia ser função de qualquer Capitania colonial alimentar o Tesouro, equilibrando suas finanças e sua economia. Alguns dos responsáveis pela administração metropolitana desejavam, a cobrança do quinto como forma de manter a riqueza oriunda da arrecadação do ouro. Em meados do século XVIII, Alexandre de Gusmão, secretário de D. João V, recriminou o Governo português por "correr ignorante" na direção de uma riqueza que entendia imaginária. O Eldorado encontrado terra adentro, motivo da cobiça dos homens e de suas aventuras nos sertões da América portuguesa, já não existia. Os mineradores não conseguiam produzir o suficiente para aplacar a voracidade do fisco metropolitano. O Governo interpretava o fato como fraude, atribuindo aos mineradores a sonegação e o contrabando do ouro. Na realidade, eles empobreciam e acumulavam dívidas. Por outro lado, as autoridades passavam a cobrar os tributos com mais rigor. As derramas, cobranças forçadas dos atrasados para a Fazenda Real, ocorridas em 1762 e 1768, são um exemplo do que ocorria. As autoridades exigiam, também, uma quantidade de ouro e diamantes cada vez maior. O desassossego e a intranqüilidade dos colonos cresciam, enquanto as batéias seguiam rodando sem parar. Mesmo à distância, os olhos vigilantes da Coroa procuravam, por meio da Intendência das Minas, fiscalizar, controlar e, sobretudo, manter o recolhimento dos tributos. Entretanto, apesar de todo o esforço, as saídas ilegais do ouro e dos diamantes das minas - o contrabando - continuava. Documentos oficiais dessa época informavam às autoridades portuguesas que muitas partidas de diamantes, oriundas do arraial do Tijuco, iam parar na Holanda, levadas por frotas que partiam do Rio de Janeiro. Esses desvios causavam escândalos. Envolviam grupos de mineiros considerados fora-da-lei, "garimpeiros" associados a comerciantes ambulantes, "capangueiros" e, até mesmo, funcionários das Minas que, inúmeras vezes, contavam com a conivência dos contratadores nomeados pelo rei. O Governo português sentia-se traído, entendendo que era preciso punir os culpados e que as masmorras, os degredos e as forcas existiam para isso. Outros fatores contribuíam para acelerar a decadência da Capitania: as despesas crescentes com artigos de importação, especialmente após o Alvará de 1785, de D. Maria I, proibindo a instalação de qualquer indústria na Colônia; as técnicas inadequadas e predatórias utilizadas nas lavras de ouro e o saque ávido e constante de Portugal, apoderando-se de toda a produção do ouro. Além disso, os mineiros não retinham para si o excesso de sua produção e não investiam na economia local, para diversificar as atividades econômicas. Ao lado desses fatos, havia a suspeita, praticamente confirmada, de que o Governo se preparava para executar uma nova derrama, em 1788 ou 1789. Essa conturbada situação interna coincidiu com o desmoronamento do sistema colonial mercantilista na Europa, a partir do desenvolvimento da Revolução Industrial. Revolução que provocou uma profunda transformação econômica nas potências da época e, conseqüentemente, na relação com suas colônias. A crescente intranqüilidade e agitação na região das Minas pode ser claramente percebida nas "Cartas Chilenas", obra satírica, produzida em meados da década de 1780, cuja autoria é atribuída a Tomás Antonio Gonzaga. Elas registram pesados ataques ao governador Luís da Cunha de Meneses e a outras autoridades portuguesas, destacando as arbitrariedades e prevaricações cometidas. Apontam, também, os excessos da tropa militar, formada pelos "dragões." "Entraram nas Comarcas os soldados, e entraram a gemer os tristes povos; uns tiram os brinquinhos das orelhas das filhas e mulheres; outros vendem as escravas já velhas que os criaram, por menos duas partes do seu preço." Cartas chilenas, autoria atribuída a Tomás Antonio Gonzaga A Sociedade das Gerais no Século XVIII Os Conjurados

O ideário da Conjuração A Conjuração Mineira, inicialmente organizada como oposição à cobrança da nova derrama, foi um movimento de ricos e proprietários, apesar de a população em geral ser prejudicada por essa medida. Outros motivos levaram também os colonos a conspirar contra a Metrópole: o seu afastamento das posições que ocupavam durante o governo de Cunha de Meneses e o preenchimento dessas posições por portugueses, alijando os colonos das oportunidades lucrativas de que usufruíam até então. Esses homens, muitos deles poetas, tinham profissões variadas: Cláudio Manuel da Costa era advogado; Alvarenga Peixoto, fazendeiro e proprietário de minas; Tomás Antonio Gonzaga, desembargador. José Alvares Maciel, era filho do capitão-mór de Vila-Rica; José de Rezende Costa e seu filho de nome semelhante; Luís Alves de Toledo Piza; Oliveira Rolim, padre que traficava escravos e diamantes; Luís Vieira da Silva, cônego da catedral de Mariana; e o tenente coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante da Companhia dos Dragões da Capitania das Minas Gerais. Para eles a Conjuração representava a possibilidade de viver em um país mais liberal, livre do monopólio imposto pela Coroa, garantindo-lhes a liberdade comercial e o controle sobre as ações do Governo. Enfim, significava o fim da tutela da Metrópole. Além disso julgavam que a Conjuração era uma forma de preservar suas fortunas, ameaçadas pelos altos tributos, ainda mais ante o fantasma da derrama. Era, em síntese, a oportunidade de deixarem de ser colonos. Os conjurados, quase todos escravocratas, constituíam a elite letrada da Capitania. Em sua maioria, tinham estudado na Europa, especialmente na Universidade de Coimbra. Eram homens bem informados. Alguns possuíam bibliotecas, como o cônego Luís Vieira da Silva, com um acervo de mais de 600 livros, bastante significativo na época. As autoridades portuguesas comentavam que, "entre tantas coisas até o diabo deveria conter." O cônego admirava os recentes acontecimentos na América do Norte. Esse grupo de conjurados recebia notícias sobre as transformações que ocorriam na Europa, como a Revolução Industrial. Recebiam, também, livros e folhetos com as idéias liberais dos principais filósofos franceses da época - Abade Raynal, Rousseau, Montesquieu e Voltaire -, defensores dos ideais de Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Felicidade. Outra grande influência no movimento dos conjurados foi a luta vitoriosa das 13 colônias inglesas na América contra a dominação de sua Metrópole, e a fundação dos Estados Unidos. Esse movimento contagiou de tal forma os colonos que até um deles, José Joaquim Maia e Barbalho, estudante da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, usando o pseudônimo de Vendek, estabeleceu contato com Thomas Jefferson, embaixador americano na França, pedindo apoio do seu governo ao movimento contra Portugal. Jefferson, após consultar autoridades de seu país, respondeu que não tinha autonomia para assumir um compromisso oficial, mas que uma revolução vitoriosa no Brasil "não seria desinteressante para os Estados Unidos, e a perspectiva de lucros poderia, talvez, atrair um certo número de pessoas para a sua causa, e motivos mais elevados atrairiam outras." Para Maxwell, o exemplo da Revolução Americana foi particularmente adequado, pois os conspiradores viam notável semelhança entre a causa dos acontecimentos da América do Norte e a sua própria situação: "porque à América inglesa nada a obrigou ao rompimento, senão os grandes tributos, que lhe taxaram, conforme declaração de um dos conspiradores." Já o ideário dos filósofos franceses tinha sentidos variados para os colonos do movimento da Conjuração. Liberdade, por exemplo, podia significar tanto libertar sua região de Portugal, como não pagar tributos, ter liberdade comercial, de expressão, e possibilidade de acesso à leitura para, com isso, conseguir gerenciar melhor os seus negócios e dominar, ainda mais, os colonizados. As idéias que os uniam eram a implantação de uma República em Minas Gerais e a necessidade da manter a escravidão, pois para eles, proprietários e escravistas, o trabalho era trabalho escravo. Nesse sentido, para os conjurados, a noção de Igualdade não incluía a igualdade racial e nem a social, pois temiam, também, o estabelecimento de uma sociedade na qual o princípio da Igualdade fosse estendido aos homens livres e pobres, a chamada "plebe".


Conjuração Baiana Em 1761, com a mudança da sede do Governo Geral para o Rio de Janeiro, a Capitania da Bahia perdeu sua importância política, apesar de continuar desenvolvendo-se economicamente e a manter seu crescimento, graças ao comércio estrangeiro bastante intenso. Entretanto, não houve melhoria nas condições de vida da população. O renascimento agrícola, que se verificou a partir de 1770, beneficiou apenas os senhores de engenho e os grandes comerciantes agravando, ainda mais, as contradições sociais. Contava a Capitania com uma população de aproximadamente 50 mil habitantes, a maioria composta por escravos negros ou alforriados, pardos e mulatos, homens livres e pobres que desempenhavam atividades manuais consideradas desprezíveis pelas elites dominantes. Essa população pobre sofria com o aumento do custo de vida, com a escassez de alimentos e com o preconceito racial. As agitações eram constantes. Entre 1797 e 1798 ocorreram vários saques aos armazéns do comércio de Salvador, e até os escravos que levavam a carne para o general-comandante foram assaltados. A população faminta roubava carne e farinha. Em inícios de 1798, a forca, símbolo do poder colonial, foi incendiada. O descontentamento crescia também nos quartéis, onde incidentes envolvendo soldados e oficiais tornavam-se freqüentes. Havia, portanto, nesse clima tenso, condições favoráveis para a circulação das idéias de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Governava a Bahia D. Fernando José de Portugal, que já em 1792 tinha sido advertido sobre os perigos da introdução dos princípios revolucionários que se tinham desenvolvido na França. Notícias da própria Capitania chegavam à Lisboa denunciando a situação inquietante e a agitação da população, fazendo com que se recomendasse ao Governador maior vigilância contra a propagação das "infames idéias francesas." "As Infames Idéias Francesas" Apesar do empenho em contrário das autoridades portuguesas, as "infames idéias francesas" não demoraram a atravessar o Atlântico. Ao porto de Salvador, o mais movimentado no período colonial, chegavam os novos ideais. O Governo português tentava impedir a entrada de livros contendo as idéias revolucionárias, mas apesar de toda a vigilância, livros, folhetos e documentos circulavam clandestinamente, algumas vezes trazidos por estudantes brasileiros que retornavam de estudos em universidades da Europa. Em 1796, a estadia do francês Larcher, na Bahia, contribuiu para a difusão das idéias revolucionárias. Encarregado de vigiá-lo, o tenente Hermógenes de Aguilar Pantoja, além de aderir a seus ideais, apresentou-o a baianos ilustres. Nos serões realizados na casa do farmacêutico João Ladislau Figueiredo e Melo, na Barra, Larcher discutia o pensamento dos filósofos iluministas com o padre Francisco Agostinho Gomes, com o senhor de engenho Inácio Siqueira Bulcão , com o cirurgião Cipriano Barata, com o professor e poeta Francisco Muniz Barreto e outros membros da sociedade baiana. No ano seguinte, em julho, na mesma casa em que ocorreram as reuniões com Larcher, foi fundada a loja maçônica Cavaleiros da Luz, onde eram lidos os livros de Rousseau, e outras obras de iluministas franceses. A Maçonaria, sociedade política surgida na Europa na segunda metade do século XVIII, divulgava as idéias liberais visando combater os princípios absolutistas e mercantilistas. Na América, as lojas maçônicas, além de difundir as idéias francesas, contribuíram para a descolonização. Aliadas aos interesses das elites descontentes com a Metrópole elas desempenharam papel libertador, incentivando as lutas pela Independência. A princípio, essas idéias circulavam apenas entre os letrados, mas logo começaram a se propagar entre as camadas mais humildes da população como soldados, alfaiates, mulatos, negros escravos ou libertos. Para essa população, vítima de preconceito racial e sujeita a muitas restrições que a impediam de ocupar determinados cargos e de ascender socialmente, os ideais republicanos tiveram profunda repercussão. Enquanto a elite intelectual conspirava em suas casas e em sociedades secretas, os homens pobres o faziam, murmurando nas ruas. Por meio de manuscritos contendo a tradução dos livros dos enciclopedistas franceses, de boletins, e de conversas, as novas idéias espalhavam-se. Aos poucos o movimento escapou das mãos da elite, adquirindo um caráter popular e social. A marca popular diferenciou a Conjuração Baiana da Mineira. Os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos, aliados aos soldados Lucas Dantas de Amorim e Luís Gonzaga das Virgens, passaram a pregar a República, que traria a igualdade para todos. A Monarquia significava opressão, como afirmava um dos boletins em que os conjurados diziam: "Povo que viveis flagelados com o pleno poder do indigno coroado, esse mesmo rei que vós criastes; esse mesmo rei tirano é o que se firma no trono para vos veixar, para vos roubar e para vos maltratar." No entanto, as idéias de Liberdade e de Igualdade não eram vistas da mesma maneira por todos os envolvidos na Conjuração. Para a elite branca colonial liberdade significava o não pagamento de tributos, o fim do monopólio comercial e a independência de Portugal. Membros da classe proprietária de escravos e de terras desejavam o fim da escravidão, retraindo-se à medida que a idéia de uma República igualitária crescia entre as camadas pobres. Notícias da revolução no Haiti, onde a luta passara dos colonos europeus aos mestiços e negros, assustaram os grandes proprietários, ainda mais que, na Bahia, a população de cor negra correspondia a 80% dos habitantes da Capitania. Para a massa popular a liberdade era a igualdade de direitos para todos, o fim do preconceito de raça e cor e dos privilégios. Segundo o historiador István Jancsó, "a liberdade era tida por condição de igualdade", o que implicava no fim da escravidão e da subordinação colonial. A igualdade de direitos para todos, aspiração dos conjurados baianos, aparece em vários escritos como, por exemplo, no ofício enviado ao Governo pelo soldado Luís Gonzaga das Virgens, preterido numa promoção: ... "o suplicante é um indivíduo da classe dos referidos desgraçados, tem a mágoa, a mágoa inconsolável, de ver subir aqueles que nada mais têm, que a cor branca."

A Repressão da Coroa Portuguesa No dia 12 de agosto de 1798, os baianos foram surpreendidos com manifestos manuscritos afixados nas paredes e muros das casas, igrejas e lugares públicos de Salvador. Eles anunciavam a chegada da Liberdade e da Revolução. "Animai-vos Povo Bahiense que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais", apregoava um dos manifestos. Outro boletim - "Aviso ao Clero e ao Povo Bahiense" - trazia o programa da revolução: Igualdade de todos perante a Lei, Independência da Capitania, Proclamação da "República Bahiense", Abolição da Escravidão, Liberdade de Comércio, aumento do soldo da tropa e protestos contra os altos tributos. A repressão ao movimento começou imediatamente. Os manifestos foram arrancados e levados ao governador, que chegou a receber uma carta dos conjurados pedindo sua adesão. O primeiro a ser preso foi o escrevente Domingos da Silva Lisboa, cuja letra era semelhante à dos panfletos. No entanto, novos manuscritos apareceram e as suspeitas recaíram sobre o soldado Luís Gonzaga das Virgens, conhecido por gostar de ler e escrever, por seus ofícios enviados às autoridades e por sua pregação revolucionária. O soldado foi preso e em sua casa foram encontrados manuscritos de documentos revolucionários e cartas comprometedoras. Preocupados que Luís Gonzaga não resistisse aos interrogatórios, os outros conjurados tentaram libertá-lo, mas foram traídos por alguns delatores. Casas foram invadidas e pessoas torturadas. Pelos manifestos colados nos muros das casas de Salvador, seiscentos e noventa e nove pessoas estavam envolvidas na conspiração, mas somente quarenta e nove foram presas, a maioria das classes populares: alfaiates, sapateiros, soldados, e escravos, todos muito jovens. Poucos membros da loja maçônica Cavaleiros da Luz foram presos, entre eles: Cipriano Barata, Moniz Barreto e Aguilar Pantoja, que receberam penas brandas. A maior parte da elite ilustrada escapou ilesa. Após as prisões veio a devassa judicial, que indiciou trinta e quatro réus. Vários deles eram alfaiates, o que fez com que a Conjuração Baiana ficasse conhecida como Conjuração dos Alfaiates. Por ordem expressa de D. Maria I, os conjurados foram punidos severamente. João de Deus Nascimento, Manuel Faustino dos Santos, Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens foram enforcados e esquartejados. Os outros condenados permaneceram presos ou foram degredados. Os delatores receberam prêmio por sua lealdade à Coroa.


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