Quarto Bimestre - História do Brasil
Colégio Notre Dame de Lourdes
Coleção Pitágoras
Unidade - Das conjurações à abdicação de D. Pedro I
Capítulo 3
Os caminhos da política imperial brasileira: a formação do Estado Imperial brasileiro (1822-1831)
As muitas independências
A família real fugiu às pressas das tropas de Napoleão? Sete de Setembro sempre foi o Dia da Independência: Nossa separação de Portugal foi imediata ou pacífica? Especialistas comentam o que há de verdade no censo comum sobre a Independência
A fuga da família real
A vinda da família real portuguesa para o Brasil foi uma fuga desordenada, que só aconteceu porque as tropas napoleônicas estavam às portas de Lisboa. Uma frase atribuída à rainha d. Maria I (“Não corram tanto, ou pensarão que estamos fugindo”) reforça essa ideia.
O que pensam os historiadores? Ainda que a ideia de uma fuga apressada diante de uma invasão francesa não esteja errada, o professor Guilherme Pereira das Neves, da Universidade Federal Fluminense (UFF), considera que essa é uma visão muito pobre, que não dá conta de várias outras dimensões do episódio. Desde o século XVII, explica, havia discussões em que se defendia a transferência do trono para a América. Além disso, o Brasil ocupava no início do século XIX uma posição de grande importância entre os domínios portugueses, dando margem a planos de criação de um Império luso-brasileiro. Chamar a transferência da corte de “fuga”, diz o professor, parece ter origem no mesmo ressentimento contra o colonizador que gerou as inúmeras piadas de português. Essa visão desmerece a ousadia do príncipe d. João, que, ao vir para o Brasil, escapou de ser deposto por Napoleão Bonaparte, como aconteceu com o rei da Espanha, Fernando VII. “Enxergar o fato dessa forma substitui o alcance dos efeitos positivos causados pela medida por uma certa depreciação dos portugueses, que parecem, assim, medroso e covardes”, conclui Neves.
D. João VI e o reconhecimento da Independência
Acredita-se: Tinha predileção pelo Brasil e se recusava a retornar a Portugal. Quando isso se tornou inevitável, disse, ao partir, a célebre frase de que seria melhor que o Brasil ficasse com o filho Pedro, em vez de cair nas mãos de um aventureiro.
O que pensam os historiadores? Para o professor Braz Augusto Broncasto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, d. João tinha interesse em preservar para a Casa de Bragança o poder no Brasil. A frase “Pedro, se o Brasil se separar, antes que seja para ti, que hás de me respeitar, que para algum desses aventureiros” é provavelmente autêntica. D. Pedro I, numa carta escrita ao pai após a Independência, referiu-se a ela, dizendo ainda “lembro perfeitamente quando vossa majestade falou ao partir”. D. João, diz o professor, morreu na esperança de uma monarquia dual e o próprio reconhecimento da Independência trazia a ideia de um dia as duas Coroas terem o mesmo monarca. D. Pedro enfatizou essa continuidade da Casa de Bragança ao marcar sua coroação para o dia 1º de dezembro de 1822, aniversário da revolta de 1640, que rompeu o domínio espanhol sobre Portugal, a União Ibérica, e levou a dinastia de Bragança ao trono.
Dia do Fico
Acredita-se: D. Pedro, contrariando as ordens das Cortes de Lisboa, interessadas em “recolonizar o Brasil”, decidiu, por amor à terra, permanecer no Brasil, dando início ao processo que levou à Independência.
O que pensam os historiadores? Apesar de o chamado Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822, ser considerado o ponto de partida para a “revolução da independência do Brasil”, a professora Lúcia Neves, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembra que, segundo fontes da época, a contribuição do Fico no desencadeamento de um ideal separatista não estava tão clara. “Não faltaram queixas contra os atos arbitrários das Cortes de Lisboa, mas na percepção daquele momento, a permanência do Príncipe Regente no Brasil assegurava a preservação da ideia de um único Império luso-brasileiro”, diz ela. Apesar da pressão para sua permanência, d. Pedro, no início, ainda hesitava, como indicou sua resposta imprecisa e dúbia, dada através de um edital do Senado da Câmara do dia 9 de janeiro, lido e afixado nos lugares públicos: “Convencido de que a presença de minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa e conhecendo que a vontade de algumas províncias o requer, demorarei minha saída até que as Cortes e meu augusto pai e senhor deliberem a este respeito com perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido.” Todavia, no dia seguinte, outro edital do Senado veio à luz, declarando ter publicado na véspera, “com notável alteração de palavras”, a resposta do príncipe regente. Só então se divulgaram, como sendo originais, as palavras que ficaram famosas: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto; diga ao povo que fico.”
José Bonifácio
Acredita-se: O “Patriarca da Independência” sempre teve como meta separar o Brasil de Portugal.
O que pensam os historiadores? Figura central nas articulações que resultaram no rompimento com Portugal, José Bonifácio de Andrada e Silva não tinha, segundo Ana Rosa Cloclet, doutora em História pela Unicamp, um projeto que levasse à separação total. “Fiel à identidade portuguesa e a um projeto de Império luso-brasileiro, mas também consciente da superioridade do Brasil em relação ao ‘decadente’ Portugal, José Bonifácio se convence, progressivamente, que essa união era insustentável sem uma Constituição garantidora da paridade de direitos entre as partes e sem um centro de força interno ao Brasil”, diz ela. O Patriarca da Independência era contrário aos regimes democráticos, que via como revolucionários. Para ele, a Monarquia Constitucional era a única forma de governo capaz de barrar os extremos da “anarquia” e do “despotismo”. Por isso, combateu todos os projetos alternativos, entre eles a ideia da convocação de uma Assembléia Legislativa no Brasil, defendida pelo grupo de Joaquim Gonçalves Ledo. Esse embate, na avaliação da professora, cristalizou um outro mito: a oposição Monarquia e República, associadas, respectivamente, a José Bonifácio e Ledo. “Na verdade, o que alimentou tal rivalidade foi o conflito ideológico entre um projeto nacional com base numa representação popular, e o projeto andradino, fundado na legitimidade dinástica e consagrador da soberania do Rei e da Nação, diz Ana Rosa.
Quadro Independência ou morte!
Acredita-se: O “Grito do Ipiranga” como é conhecido, é a imagem clássica do ato da Independência, tendo D. Pedro como figura central.
O que pensam os historiadores? O quadro de Pedro Américo foi concluído em 1888, um ano antes da Proclamação da República. O artista fez uma ampla pesquisa, consultando historiadores, estudando objetos e visitando o local do grito. Apesar disso, achava que não deveria ficar “preso à verdade”. Assim, entre outros aspectos, alterou a topografia, para realçar o riacho do Ipiranga e a colina; escolheu raças de cavalos que dessem maior elegância ao príncipe D. Pedro e à sua Guarda de Honra do Imperador, regimento criado, como o próprio nome sugere, tempos depois do 7 de Setembro”, explica Cecília Helena de Salles Oliveira, professora da Universidade de São Paulo (USP).
O Sete de Setembro
Acredita-se: Foi desde 1822 a data da Independência, comemorada, como hoje, como feriado nacional e com paradas militares.
O que pensam os historiadores? A transformação do Sete de Setembro em data nacional só aconteceu a partir de 1870, refletindo, segundo a professora Cecília Helena, a consolidação do Estado Nacional e o crescimento da importância política e econômica de São Paulo. Na época, diz a professora Lúcia Neves, o único jornal a dar destaque ao “Grito do Ipiranga” foi O Espelho, que circulou no Rio de Janeiro entre 1821 e 1823, editado pela Imprensa Nacional. A publicação exaltava, em 20 de setembro, o “Independência ou morte!”, como “o grito [que] acorde todos os brasileiros”. A professora explica que o jornal, além de louvar o ato de d. Pedro, atacava duramente o Congresso de Lisboa, que “sacrificou a união de dois hemisférios ao seu orgulho e à sua ambição”. Ao longo do século XIX, outras datas foram celebradas, especialmente a aclamação de d. Pedro (12 de outubro, também aniversário do Imperador), a coroação (primeiro de dezembro) e a outorga da primeira Constituição (25 de março de 1824). “O 1º de dezembro é uma espécie de ‘data absolutista’, pois a coroação obedeceu a ritos tipicamente de Antigo Regime e conferiu legitimidade ao imperador com base em sua origem dinástica”, dia Marco Morel, professor da UERJ.
D. Pedro I
Acredita-se: Nosso primeiro imperador sempre foi visto aqui como herói libertador, e considerado pelos portugueses um traidor que lhes tirou a maior colônia.
O que pensam os historiadores? D. Pedro era um homem de dois mundos. Ainda durante sua vida, a visão que se tinha dele dos dois lados do Atlântico era bem diferente, como explica Lúcia Neves.
Em 1822, ele despertava para os portugueses o fantasma do despotismo, enquanto levantava no Brasil a bandeira liberal. Nove anos depois, abdicou do trono brasileiro com a fama de despótico e foi para Portugal restaurar o trono da filha, Maria II, usurpado pelo irmão d. Miguel. Sua vitória assegurou o liberalismo em Portugal. “Ao contrário do que ocorreu em Portugal, d. Pedro foi depreciado pela historiografia brasileira, por longo tempo, tendo começado somente na década de 1950, com Otávio Tarquínio de Souza, até hoje seu principal biógrafo, uma revisão do papel que teve na emancipação do país e da rica e contraditória personalidade que o distinguiu”, diz a professora.
A Independência foi pacífica
Acredita-se: A Independência foi aceita sem resistências em todas as antigas capitanias.
O que pensam os historiadores? A Independência não foi aceita imediatamente em todo o país. Salvador, que estava ocupada por tropas portuguesas, demorou a reconhecer a separação, como conta o professor Hendrik Kraay, especialista em História do Brasil na Universidade de Calgary, no Canadá. “Já as câmaras do recôncavo, sem a pressão militar, tinham reconhecido d. Pedro como ‘Defensor perpétuo do Brasil’, mostrando uma predileção em aderir ao movimento”, explica. Comandadas por Luís Madeira de Melo, as tropas portuguesas na capital baiana foram acusadas de promover vários tumultos as ruas.
Em Pernambuco, diz o historiador Evaldo Cabral de Mello, o problema foi a existência de uma tendência separatista anterior a 1822. “A Independência atropelou esse processo. Aconteceu então uma oposição entre o movimento local e o projeto de José Bonifácio, de um país centralizado sob o governo monárquico”, explica.
Monarquia ou República?
Acredita-se: O Brasil seguiu um caminho oposto ao dos países da América Latina, tornando-se um Monarquia, enquanto os vizinhos adotaram a República, como uma simples solução de continuidade.
O que pensam os historiadores? O Império não foi uma solução pronta, mas construída, uma vez que havia focos de republicanismo no Brasil. Entretanto, segundo o professor Marco Morel, essa opção não ignorou a América Espanhola. “ Ao contrário, os partidários do Império usavam as experiências republicanas enfatizando os seus aspectos ‘negativos’. A República, apontada como sinônimo de desordem política, foi usada para justificar um Império centralizado que acabaria com as diferenças regionais”, diz ele. No entanto, o processo de consolidação do Império foi longo e sangrento, a partir da década de 1830, com as revoltas regenciais.
Independência ou morte. In: Nossa História. Ano I, nº 11, setembro de 2004. Biblioteca Nacional. pp 14-18.
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