INTERDISCIPLINARIDADE
Excelente canção que pode ser trabalhada nas aulas de Lingua Portuguesa, Literatura ou História.
Em Ciências Humanas e suas tecnologias por exemplo, pode-se abordar os temas relacionados à escravidão na história do Brasil e processo abolicionista, e até mesmo a exploração do trabalho infantil nos dias atuais.
Upa, neguinho
Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo
upa, pra lá e pra cá
virge, que coisa mais linda!
upa, neguinho começando a andá
começando a andá, começando a andá
e já começa a apanhá
cresce, neguinho e me abraça
cresce e me ensina a cantá
eu vim de tanta desgraça
mas muito te posso ensiná
capoeira, posso ensiná
capoeira, posso ensiná
ziquizira, posso tirá
valentia, posso emprestá
mas liberdade só posso esperá
patá tá tritri tri tritrá trá trá
Vocês devem ter notado que quase todos os versos da letra fazem rima em "á": cá, andá, apanhá, cantá e por aí vai. Mas, você poderia se perguntar: está certo escrever "apanhá"? O r não cai apenas quando o verbo se liga aos pronomes o e a, queassumem as formas lo e la? Sim, é verdade. Rigorosamente, no padrão culto da língua, apenas nesse caso o verbo "apanhar" assumiria a forma "apanhá". A composição não pretende ser escrita na linguagem culta, mas numa espécie de dialeto que é a língua dos africanos trazidos para o Brasil e de seus descendentes. É a língua dos escravos, a mesma que nos deixou o delicioso sinhô no lugar de senhor, por exemplo. É esse idioma que vamos encontrar na literatura que tematizou o negro e as perversidades a que foi submetido pelo branco dominador. Assim, no famoso poema "Essa negra Fulô" (1928) e nos "Poemas Negros" (1947), ambos de Jorge de Lima, vamos encontrar uma dicção, uma fisionomia parecida com a que vemos em "Upa,neguinho", que faz parte da peça Arena conta Zumbi.
A canção é aparentemente jocosa, leve, cheia de graça, como é essa língua meio portuguesa, meio africana. A interjeição "upa", tantas vezes repetida ao longo da música, dá ainda um ar brincalhão e mais graciosidade a essa fala de alguém que vê uma criança negra ensaiando os primeiros passos e as primeiras decepções. Repare que é de longa data o trabalho infantil neste país, onde o crioulinho sai do ventre da mãe direto para o mundo do trabalho forçado. Mas o eu da composição, que, como vamos saber mais ao fim, é um negro adulto, que veio de tanta desgraça, de alguma maneira se alegra e se . Só o pequeno escravo pode fazer com que seu sofrimento tão grande desapareça por um momento. Sabe-se que, quando se é intensamente explorado e humilhado, a auto-estima é a primeira coisa que se perde. O explorado, de tanto ser explorado, acaba pensando como o explorador, ou seja, acaba achando que ele próprio não vale grande coisa e que merece o desprezo dos outros. O explorador faz que o explorado, de tanto ser explorado, pense que ele, explorado, só merece ser explorado. A coisa é redundante mesmo. É um círculo vicioso. Mas, nessa canção, o escravo adulto adquire um grãozinho de auto-estima ao ver o negrinho. Ele se dá conta de que pode ensinar algo a ele, que possui um saber que vale a pena ser transmitido: capoeira, ziquizira, valentia... O escravo adulto conhece formas de luta e brincadeira (a capoeira), conhece artes curandeiras (ele pode tirá a ziquizira) e tem na valentia sua forma de dignidade. Mas essa dignidade é ao mesmo tempo limitada. Ele não tem o principal: a liberdade, que é o que faz um homem ser homem. Esse escravo tão humano e sensível, sabedor de tantas artes, é tratado de forma infra-humana: liberdade só posso esperá...Sem liberdade, não há auto-estima que se sustente. A auto-estima do negro adulto é capenga como os passos do negrinho, cujo desenvolvimento, muito paradoxalmente, se acompanha de mutilação: ele começa a andar, a se desenvolver, e já começa a apanhar. Mas ainda assim existe graça, poesia, em seus passos desajeitados, de criança que mal consegue se equilibrar ainda: essa é a graça da música, que trata no entanto de assunto tão grave, tão espinhoso como a escravidão, a opressão social. Afinal, era preciso sobreviver de alguma maneira, era preciso fechar um pouco os olhos e cantar em meio a tanta desgraça.
A canção é aparentemente jocosa, leve, cheia de graça, como é essa língua meio portuguesa, meio africana. A interjeição "upa", tantas vezes repetida ao longo da música, dá ainda um ar brincalhão e mais graciosidade a essa fala de alguém que vê uma criança negra ensaiando os primeiros passos e as primeiras decepções. Repare que é de longa data o trabalho infantil neste país, onde o crioulinho sai do ventre da mãe direto para o mundo do trabalho forçado. Mas o eu da composição, que, como vamos saber mais ao fim, é um negro adulto, que veio de tanta desgraça, de alguma maneira se alegra e se . Só o pequeno escravo pode fazer com que seu sofrimento tão grande desapareça por um momento. Sabe-se que, quando se é intensamente explorado e humilhado, a auto-estima é a primeira coisa que se perde. O explorado, de tanto ser explorado, acaba pensando como o explorador, ou seja, acaba achando que ele próprio não vale grande coisa e que merece o desprezo dos outros. O explorador faz que o explorado, de tanto ser explorado, pense que ele, explorado, só merece ser explorado. A coisa é redundante mesmo. É um círculo vicioso. Mas, nessa canção, o escravo adulto adquire um grãozinho de auto-estima ao ver o negrinho. Ele se dá conta de que pode ensinar algo a ele, que possui um saber que vale a pena ser transmitido: capoeira, ziquizira, valentia... O escravo adulto conhece formas de luta e brincadeira (a capoeira), conhece artes curandeiras (ele pode tirá a ziquizira) e tem na valentia sua forma de dignidade. Mas essa dignidade é ao mesmo tempo limitada. Ele não tem o principal: a liberdade, que é o que faz um homem ser homem. Esse escravo tão humano e sensível, sabedor de tantas artes, é tratado de forma infra-humana: liberdade só posso esperá...Sem liberdade, não há auto-estima que se sustente. A auto-estima do negro adulto é capenga como os passos do negrinho, cujo desenvolvimento, muito paradoxalmente, se acompanha de mutilação: ele começa a andar, a se desenvolver, e já começa a apanhar. Mas ainda assim existe graça, poesia, em seus passos desajeitados, de criança que mal consegue se equilibrar ainda: essa é a graça da música, que trata no entanto de assunto tão grave, tão espinhoso como a escravidão, a opressão social. Afinal, era preciso sobreviver de alguma maneira, era preciso fechar um pouco os olhos e cantar em meio a tanta desgraça.
Gianfrancesco Guarnieri
O ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri nasce a 8 de agosto de 1934, em Milão, na Itália. Sua família muda-se para o Rio de Janeiro em 1936, onde Guarnieri faz seus estudos até 1953, quando decide ir para São Paulo. Em 1955, funda, com Oduvaldo Viana Filho, o Teatro Paulista do Estudante. Estréia como dramaturgo em 1958, com a peça Eles não usam black-tie. A montagem tem grande êxito e ganha vários prêmios (em 1981, a adaptação para o cinema ganharia o Leão de Ouro no Festival de Veneza). Entre suas principais peças, estão Arena conta Zumbi (1965), na qual teve como parceiros Augusto Boal e Edu Lobo, Castro Alves pede passagem (1968), Um grito parado no ar (1973). Por esta última obteve o "Prêmio Governador do Estado" como melhor autor brasileiro. Trabalhou como ator e diretor em cinema e televisão.
Edu Lobo
O compositor Eduardo de Góis Lobo nasce a 29 de agosto de 1943, na cidade do Rio de Janeiro. Seu primeiro instrumento é o acordeom, que estuda dos oito aos 14 anos. Aos 16 anos começa a estudar violão. Mais tarde cursa até o terceiro ano de Direito na PUC. Em 1962, lança seu primeiro disco, um compacto duplo. Participa de vários festivais de música popular brasileira, vencendo, em 1965, com a música Arrastão (composta em parceria com Vinícius de Morais) e, em 1967, com a música Ponteio (composta em parceria com Capinam). Realiza diversos trabalhos com Ruy Guerra, Gianfracesco Guarnieri, Vinícius de Morais, Capinam, Chico Buarque e Tom Jobim. Faz trilha sonora para cinema, teatro e TV e lança vários álbuns. Em 1994 recebe o Prêmio Shell pelo conjunto da obra.
muito boa essa música da Elis Regina.
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