sábado, 29 de agosto de 2009

MÚSICA E HISTÓRIA

TITÃS - TELEVISÃO






A televisão me deixou burro muito burro demais

agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais

o sorvete me deixou gripado pelo resto da vida

e agora toda noite quando eu deito é "boa noite, querida

ô Cride, fala pra mãe

que eu nunca li num livroque o espirro fosse um vírus sem cura

e vê se me entende pelo menos uma vez, criatura

ô Cride, fala pra mãe a mãe diz pra eu fazer alguma coisa mas eu não faço nada

a luz do sol me incomodaentão deixa a cortina fechada

é que a televisão me deixou burromuito burro demais
e agora eu vivo dentro dessa jaulajunto dos animais

ô Cride, fala pra mãeque tudo que a antena captar meu coração captura

e vê se me entende pelo menos uma vez, criatura ô Cride, fala pra mãe

Titãs Álbum: Televisão (1985)









"A televisão me deixou burromuito burro demais agora todas as coisas que eu pensome parecem iguais"
Tudo o que o sujeito dessa letra pensa lhe parece igual. Será por que ele só pensa as mesmas coisas, ou será por que, devido à televisão, todas as coisas, por mais diferentes que possam ser, são estranhamente igualadas em sua percepção? Parece que o eu dessa canção está nos dizendo que sua mente se assemelhou a uma tela de televisão,em que todas as imagens desfilam como que chapadas, por mais distintas que possam parecer.
Quase no final da letra você pode observar uma interessante inversão sintática, com o sujeito posposto ao predicado. Este pequeno um processo de animalização.
Com isso, os Titãs estão nos dizendo que o telespectador em geral é presa da televisão, que ele se torna refém dela. Na verdade, o verso "meu coração captura" deve ser lido antes como "meu coração é capturado". Essa leitura é perfeitamente autorizada pela letra. Captar aqui é ser capturado, é perder o espírito crítico. Isso ocorre a ponto de todas as imagens lhe parecerem iguais, ou seja, a ponto de as imagens, de pessoas, natureza, objetos ou que for, permanecerem chapadas, sem consistência. Na verdade,é como se ocorresse uma espécie de desumanização também das imagens, e não só do telespectador. Na televisão, as coisas perderiam sua integridade,sua substância.
O termo "televisão", ver à distância, passa a significar, portanto, não ver. O espetáculo pode não ser a realidade. A telinha pode funcionar como um meio de ofuscamento.
O telespectador ficou inerte,
e qualquer clarão o incomoda. Há aqui por certo uma brincadeira com aquele tipo de situação em que apagamos as luzes, fechamos totalmente a janela do quarto ou da sala para assistir a um filme, pois o ambiente escuro como que tornaria a imagem mais nítida. A essa escuridão o letrista dá um sentido figurado: não só a sala, mas a mente também está escura. Tão acostumada às sombras, que contrai imediatamente os olhos ao mais ameno raio de luz. E você, como assiste televisão? Você fica atento para a linguagem utilizada, para os preconceitos que podem vir embutidos, para os erros de lógica cometidos, para as falsificações? Se responder com uma negativa a dois itens ou mais, então você precisa refletir um pouquinho sobre essa música. E como você pode se armar para ver televisão? Transformando-se num espectador ativo, que não engole facilmente o que vê. Um conselho: leia jornal e sobretudo livros, multiplique os prazeres no seu lazer. Veja a vida lá fora e não arregale tanto os olhos para as " que capturado o é para ser antena A do história...
Arnaldo Antunes, Marcelo Frommer e Toni Belotto
(Titãs)






O nome dessa banda de rock, que surgiu em São Paulo, em 1982, era originalmente Titãs do Iê-Iê. Entre os integrantes da época estavam Marcelo Frommer, Toni Belloto, que assinam ao lado de Arnaldo Antunes essa composição, faixa-título do segundo disco da banda. O multiartista (artista plástico, compositor, cantor, roteirista) Arnaldo Antunes, que saiu do grupo em 1992 para seguir carreira solo, é também poeta, bastante influenciado pelo concretismo. Seu primeiro livro, Ou/E, de 1982, foi feito artesanalmente com colagens, xerox, dobraduras e impressões em off-set. Entre outras obras publicadas, estão Psia (1988), Tudos (1989), As coisas (Prêmio Jabuti 1993), Nome (1993), Dois ou mais corpos no mesmo espaço (1998). Sua última publicação foi 40 escritos (2000), que reúne crítica e ensaios sobre assuntos diversos.

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