quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Caso Silvio Santos
O episódio Sílvio Santos foi o principal desafio enfrentado pela Justiça Eleitoral na campanha de 1989. Não é exagero dizer que o quadro institucional da eleição e a credibilidade do TSE estiveram em jogo, naquele momento. Afinal, se a legislação permitia a entrada extemporânea de um candidato na disputa, ao TSE cabia a decisão final e soberana sobre o desenrolar dos acontecimentos. Questão delicada, sem dúvida, já que interferiria diretamente no jogo eleitoral e colocava a descoberto a fragilidade da legislação e das instituições.É difícil encontrar situação comparável em toda a história da Justiça Eleitoral. Nunca é demais lembrar que os dados já estavam lançados e que era grande a expectativa criada em torno destas eleições, as primeiras diretas para a Presidência da República, depois de um intervalo de 29 anos. Buscando um paralelo, alguns analistas e políticos afirmavam que a decisão do TSE poderia provocar uma alteração tão profunda no quadro político do país quanto aquela que, em 1985, declarou o fim da fidelidade partidária. A despeito do episódio Sílvio Santos ter sido classificado pela maior parte dos meios de comunicação como degradante e vergonhoso, a primeira indagação objetiva que se deve fazer diz respeito à própria possibilidade legal de entrada de um candidato às vésperas da data marcada para o pleito. Esta possibilidade existia, e este fato deve ser frisado para que melhor se possa avaliar a legislação então em vigor e aquilatar o desempenho da Justiça Eleitoral.
Com o veto do Presidente Sarney ao artigo 8º da Lei Eleitoral, ficou extinto o prazo mínimo de 6 meses para a filiação partidária dos candidatos. Dessa forma, tornou-se possível a entrada de um candidato, não só a qualquer momento, mas até mesmo sem um vínculo partidário anterior. Por outro lado, o veto ao artigo 30, que assegurava aos partidos o direito de recurso contra qualquer decisão do TSE, baseava-se no artigo 121 da Constituição, segundo o qual "são irrecorríveis as decisões do TSE, salvo as que contrariem esta Constituição e as denegatórias de habeas-corpus ou mandado de segurança". Estes dispositivos jurídicos conferiram ao Tribunal a condição de autoridade máxima e final em questões como a que estamos considerando.Independentemente das chances eleitorais de Sílvio Santos, sua entrada na disputa, a apenas 15 dias do pleito, criou uma celeuma talvez sem paralelo em outros países democráticos. A credibilidade da Justiça Eleitoral foi colocada em xeque, num grau também inédito na história da instituição. Enquanto alguns impugnavam previamente os juízes, prevendo que eles se curvariam aos interesses do Poder Executivo, outros diziam que o Tribunal deveria tomar o partido anti-Sarney, buscando uma saída dita "política" ou "moral", que, na verdade, implicaria em ignorar a letra da lei. Num extremo ou no outro, a insinuação era de que os ministros iriam decidir sob pressão, desconsiderando cânones jurídicos.Nunca as ligações pretéritas ou presentes dos juízes foram tão esmiuçadas, deixando-se subentender que tais laços explicariam a direção do voto a ser dado. Supunha-se, por exemplo, que o Ministro Rezek acompanharia as declarações do professor João Leitão de Abreu, contrárias à candidatura de Sílvio Santos, já que eram notórios tanto sua admiração como seu dever de lealdade para com esse ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, duas vezes Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República, nos governos Médici e Figueiredo, responsável direto pela nomeação de Rezek para o STF. Da mesma forma, supunha-se que o Ministro-Relator do processo, Antônio Vilas-Boas, como advogado da Telebrás, agiria sob a influência do Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, intransigente adversário da nova candidatura. Alegava-se, ainda, que outros ministros, ao contrário, mostrariam fidelidade ao Presidente Sarney, visto como o promotor da nova candidatura.Ora, não existe nada mais pernicioso para a credibilidade de uma instituição com funções de magistratura do que a possibilidade de orientar-se em suas deliberações por interesses particulares ou por compromissos com grupos de poder. Um órgão de justiça especialmente criado para arbitrar conflitos só pode deliberar respeitando a lei, fundamentando suas decisões em argumentos lógico-formais. Qualquer outro tipo de consideração, seja assentada em critérios políticos ou de natureza "moral", contrariaria a natureza do Tribunal, desgastando a sua credibilidade e, indiretamente também, a própria estabilidade do processo sucessório presidencial.
No dia 9 de novembro de 1989, quando todas as especulações já haviam sido feitas, as atenções voltaram-se para o TSE. Era a data em que seria julgado o pedido de registro de novos candidatos. Chegaram ao Tribunal, por um lado, o pedido feito pelo Partido Municipalista Brasileiro de registro das novas candidaturas de Señor Abravanel (verdadeiro nome de Sílvio Santos) e de Marcondes Iran Benevides Gadelha para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, e por outro, diversas solicitações de impugnação. De acordo , contudo, com o art. 22 da Resolução 15.362/89, só deveriam ser examinadas as impugnações provenientes de "impugnantes habilitados", ou seja, do Ministério Público Eleitoral, de candidatos e de partidos políticos com registro no Tribunal. Dessa forma, não foram consideradas legítimas as solicitações de impugnação encaminhadas por 7 advogados, por um Juiz de Direito, por 146 cidadãos, de dirigentes e membros fundadores do Instituto de Estatística Econômica Intersindical. Como impugnantes habilitados apresentaram-se: o Ministério Público Eleitoral, representado pelo Procurador-Geral Eleitoral; o PC do B; o PDT; o PTR; o PSC; e o PRN, este último representando a "Coligação Brasil Novo", suporte da campanha de Fernando Collor. Pelo impugnado, isto é, pelo PMB, tiveram o direito de usar a palavra três advogados.Ao Ministro-Relator do processo, Ministro Vilas Boas, cabia, de acordo com as normas regimentais, tornar públicos o parecer do Procurador Geral Eleitoral e as razões arroladas nos pedidos de impugnação encaminhados pelos partidos políticos, e, em seguida, proferir o seu próprio voto. O parecer do Procurador Geral era de que Sílvio Santos deveria ser considerado inelegível. Considerava que esta candidatura feria os dispositivos que protegem a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou abuso do exercício de função, cargo ou emprego na Administração direta ou indireta. Para a proteção contra este tipo de influência a lei exige o afastamento da função, no mínimo 3 meses antes da data das eleições, dos candidatos proprietários ou que exerçam cargos de direção em empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público. Como dirigente do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), Sílvio Santos poderia, em tese, ser enquadrado nessa exigência. Os partidos impugnantes, contudo, foram além da questão da inelegibilidade, suscitando preliminares quanto à filiação partidária e quanto ao registro do PMB.O primeiro Ministro a pronunciar-se votou pelo indeferimento das novas candidaturas, fundando-se, sobretudo, no exame da situação legal do PMB. Vale a pena reproduzir aqui suas ponderações, já que todos os demais votos, sem exceção, basearam-se em argumento jurídico semelhante, negando, por unanimidade, o registro de Sílvio Santos e Marcondes Gadelha. Disse o Ministro Vilas Boas, apoiando-se exclusivamente na legislação: o PMB "teve o prazo de um ano para atender as exigências legais necessárias à obtenção do registro definitivo. Por força do art. 6º, parágrafo único, da Lei 7.664, de 29.06.1988, esse prazo foi prorrogado por 12 meses, de forma que se esgotaria em 15.10.1989. Em 13.10.1989, às vésperas portanto do término do aludido prazo, o PMB requereu o seu registro definitivo ...Ocorre, porém, que o PMB, como atesta informação da secretaria, embora comprove ter realizado Convenção Nacional com eleição da Comissão Executiva Nacional e alegue ter realizado convenções para eleger seus Diretórios Regionais em 10 unidades da Federação, apenas consta 4 certidões comprobatórias de tal providência fornecidas pelos Estados de Pernambuco, Maranhão, Amazonas e Rondônia. Desse descumprimento decorre, conforme salienta a mesma informação, a ineficácia dos atos preliminares do Partido, em 15/10, isto é, tornou-se sem efeito naquela data o registro provisório da mencionada agremiação partidária. ...Tenho, pois, como certo que a escolha dos novos candidatos, depois de caduco o registro provisório do PMB, torna insustentáveis as respectivas candidaturas, pois estas não podem subsistir sem aquele nos termos dos artigos 87 do Código Eleitoral e 77, parágrafo 2º da Constituição Federal". Além da procedência dos argumentos contra a existência jurídica do PMB, o que por si só bastaria para invalidar o registro dos novos candidatos, o Ministro-Relator considerou também válidas as ponderações sobre a inelegibilidade de Sílvio Santos, em virtude de sua condição de dirigente do SBT.
Em síntese, o fato de o PMB não reunir os pressupostos necessários à sua existência legal e a condição de inelegibilidade de Sílvio Santos como empresário de comunicações colocaram um ponto final nessa tentativa de alterar os rumos da disputa às vésperas do pleito, bem como nas insinuações de que os juízes agiriam sob constrangimentos alheios à sua função. Como disse o Ministro Miguel Ferrante, ao justificar o seu voto, o TSE cuidou nesta decisão "exclusivamente da reta aplicação do direito, indiferente ao tumulto das paixões que o caso desencadeou". Tratou, "simplesmente de fazer prevalecer o império da lei, a que todos devemos obediência e respeito. Obediência e respeito, sem transigências e sem tibiezas, sem o que não poderão subsistir o regime democrático e o estado de direito".
A aplicação da lei encerrou o episódio, fortalecendo a imagem de credibilidade da Justiça Eleitoral. É claro que isto não significa que a unanimidade formada entre os juízes seja uma amostra do que se passava nos círculos políticos ou com a população em geral. O importante é que os ministros agiram como magistrados, eqüidistantes das partes em disputa. Um compromisso prevaleceu: a obediência à Constituição. Referindo-se à fidelidade à lei, como o único parâmetro a orientar o judiciário, disse o Ministro Rezek ao proferir seu voto, cumprindo salientar que, como Presidente do TSE, regimentalmente ele só teria obrigação de pronunciar-se em caso de empate entre os outros seis ministros: "...examinando, nos últimos dias, este tormentoso feito, nós nos defrontamos com um trabalho árduo, não exatamente previsto para esta fase do processo eleitoral, e fizemos por bem desenvolvê-lo, tal como manda a Constituição. Convivemos, nesse período, não apenas como o trabalho: também com manifestações da mais variada origem, da mais variada índole; manifestações inteiramente lícitas, na medida em que não advindas de algum núcleo de poder, mas de pessoas comuns, de populares e articulistas da imprensa, que valem-se do seu direito de dizer o que pensam, sem pretender com isso que o Tribunal seja permeável, no deslinde de uma questão jurídica, a considerações de tal natureza. Lembro, entretanto, que convivemos também com algumas manifestações reveladoras do desconhecimento do fenômeno judiciário, que insinuaram perspectivas decisórias à base de fatores tão absolutamente desimportantes quanto teria ocorrido se pretendessem inferir a provável decisão de um membro da Casa por sua origem étnica, por sua confissão religiosa ou por sua vizinhança habitacional. Chegou-se perto disso... Um dia, quando atendidas tantas outras prioridade, é possível que a sociedade brasileira venha a entender melhor a função judiciária e suas características. Deus sabe quando isso ocorrerá. Mas talvez então alguém se lembre de que, neste momento histórico, o Tribunal Superior Eleitoral contribuiu para o alcance de semelhante propósito".
fonte:
http://www.politicavoz.com.br/direitoeleitoral

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