terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Irã e sua Inserção Internacional

O Irã e sua Inserção Internacional, por Pio Penna Filho






O Irã é um dos países mais importantes do Oriente Médio e sua política de projeção de poder vem chamando a atenção da comunidade internacional já há alguns anos. No trigésimo aniversário da Revolução Iraniana, ocorrida em 1979, o Irã anunciou o lançamento do seu primeiro satélite desenvolvido com tecnologia própria. Sem dúvida nenhuma trata-se de um importante feito, ainda mais quando consideramos que os iranianos conseguiram desenvolver o satélite e promover o seu lançamento com um foguete também de fabricação própria, o Safir -2. Aliás, o ritmo de novidades tecnológicas do Irã parece, de fato, acelerado. Após o Safir-2 os iranianos já lançaram com sucesso o Sejil-2, um míssil balístico que utiliza combustível sólido e um sistema de navegação mais sofisticado, podendo atingir partes da Europa e bases norte-americanas próximas ou no Oriente Médio. Naturalmente, essas iniciativas certamente repercutem em termos de política externa e trazem consigo questões importantes para a segurança regional e internacional.
Desde a Revolução dos Aiatolás o regime iraniano desafia os Estados Unidos e persegue uma inserção regional e internacional mais autônoma, baseada nos seus interesses e com forte vinculação aos princípios fundamentalistas do seu processo revolucionário. No caso do Irã há, portanto, uma forte relação entre política e religião que não pode ser desprezada quando tentamos entender os fundamentos de sua inserção internacional e de sua política externa.
Como herdeiros do Império Persa, os iranianos são conhecidos por sua altivez e relativa coesão como estado-nação. Diferentemente do que muitos pensam, os iranianos, em sua maioria, não são árabes. O que o Irã tem mais em comum com a maior parte dos povos árabes é o islamismo, embora seja uma vertente diferente, conhecida como xiismo. Esse aspecto é importante porque é um dos elementos que impõem certas restrições para uma atuação mais dinâmica em seu contexto regional.
A primeira década da Revolução foi marcada pela reformulação da sociedade iraniana, que teve que se submeter aos tradicionais princípios religiosos e a uma forte repressão interna desencadeada pela Guarda Revolucionária. Não havia espaço para oposição política e menos ainda para divergências no campo religioso. No front externo o regime foi marcado inicialmente pelo desafio aberto aos Estados Unidos, que resultou na invasão da Embaixada norte-americana em Teerã, tomando os seus diplomatas e funcionários com reféns. Além disso, e mais importante e impactante, foi a guerra com o Iraque, que durou praticamente toda a década de 1980 e resultou num desastre de grande magnitude para a economia do país e para sua população. Estima-se que cerca de 300 mil iranianos perderam a vida em decorrência da guerra.
Durante a década de 1980 os iranianos tentaram exportar os valores religiosos fundamentalistas e assumiram uma perspectiva radical e mais agressiva em sua política externa. Tiveram também que reagir às agressões externas, principalmente as iniciativas bélicas que vieram do Iraque, à época governado por Sadam Husseim e um grande aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio. Depois, nos anos 1990, houve uma certa acomodação do regime e prevaleceram iniciativas políticas voltadas para o contexto doméstico.
Após esse período de relativa acomodação e com a ascensão do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, o Irã retomou sua política de insurgência frente às perspectivas ocidentais capitaneadas pelos norte-americanos. Ahmadinejad retomou a política nuclear iraniana e deu um tom renovado ao nacionalismo do país, aceitando o desafio das provocações provenientes dos Estados Unidos sob a presidência de George W. Bush. No plano regional também retomou com um novo vigor as críticas ao Estado judaico, chegando a insinuar que Israel deveria desaparecer do mapa. Em termos práticos, essa política resultou numa aproximação maior com os grupos Hamas e Hizbollah, que passaram a contar com o apoio, por vezes velado, por vezes mais aberto, de Teerã.
Visto como um desafio de peso para a política externa norte-americana, o regime iraniano segue ampliando sua capacidade tecnológica e militar. Sem uma grande oposição interna e marcando presença na política internacional num tom de desafio permanente, os Irã joga um jogo de alto risco.
Embora tenha amenizado o tom e esteja buscando uma distensão em sua política para o Oriente Médio, a nova administração norte-americana sob a presidência de Barack Obama mantém uma atenção especial dirigida a Teerã. Atenção essa que também leva em consideração o fator Israel, haja vista que há sempre o receio de que autoridades israelenses lancem um ataque às instalações nucleares iranianas, o que poderia produzir uma situação de grande tensão, senão de guerra aberta, em boa parte do Oriente Médio.
O regime iraniano, além do mais, apresenta profundas discordâncias com relação a ordem internacional do pós-Guerra Fria. Não aceita o congelamento do poder mundial e nem tampouco os pressupostos neoliberais capitalistas. Por isso, o seu tom quase sempre desafiador da padronização que emana do Ocidente, tanto em termos políticos quanto econômicos. Um aspecto muito importante tem a ver com o seu contexto regional, especialmente com relação a Israel. Talvez esse seja o maior equívoco em termos de política externa que o Irã vem insistindo em manter. Além de negar a existência do Holocausto contra o povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial, algumas lideranças iranianas ainda se debatem contra o direito de existência do estado judaico, algo que a grande maioria dos próprios árabes já abriu mão.

Caricatura do presidente iraniano.

Ainda em termos regionais é preciso considerar o fator Iraque e as relações com a Síria, aspectos da política externa do Irã que ampliam a desconfiança Ocidental vis a vis de seus objetivos regionais. No que diz respeito ao Iraque, tudo indica que o regime iraniano vem interferindo no seu já conturbado quadro político e religioso, principalmente pela existência de ativistas xiitas que encontram em setores governamentais apoio para suas ações de influência religiosa em certas áreas do país.
É fato notório que o presidente Ahmadinejad não controla totalmente a política externa do país. A estrutura institucional iraniana favoreceu o desenvolvimento de uma política externa multifacetada para a qual concorrem Clérigos, Guardas Revolucionários, Parlamento, Conselho Supremo e o próprio presidente do país. Essa estrutura resulta que a política externa assume, por vezes, características contraditórias, aspecto que exige do analista uma atenção redobrada na interpretação para o peso e o papel que os diversos atores responsáveis pela atuação internacional possuem em seu processo decisório.
Um exemplo dessa contradição é a postura adotada pelo presidente Ahmadinejad com relação às suas polêmicas declarações sobre Israel, que por vezes assumem um caráter quase belicoso.
Charge mostrando os presidentes dos EUA e do Irã.

A diferença fica patente quando lembramos que o Aiatolá Ali Khamenei, autoridade religiosa máxima e Supremo líder do povo iraniano (e nesse caso não se trata de um título meramente figurativo), pronunciou um discurso afirmando que a política oficial do Irã é a de não-agressão para com todos os membros das Nações Unidas.
É preciso certa ponderação quando pensamos nos discursos do presidente Ahmadinejad e de todo o seu desempenho midiático. Até certo ponto tudo não passa de uma performance com objetivos políticos internos. Muitas autoridades iranianas têm plena consciência dos limites e das fraquezas da economia do país, que poderia – ou poderá – ser profundamente afetada por sanções emitidas a partir do Conselho de Segurança das Nações Unidas, por exemplo. Trata-se de uma economia que depende basicamente de investimentos externos e fortemente ancorada no setor público, do qual aproximadamente 90% dos iranianos recebem os seus salários ou algum tipo de benefício. Além disso, os dados indicam um alto índice de desemprego e tendência de crescimento de uma taxa inflacionária já considerada elevada.
Presidente Ahmadinejad em reunião da ONU.

Enfim, existem aspectos muito legítimos que são reivindicados pelos iranianos e outros nem tanto, sobretudo quando pensamos em termos de direitos humanos e de certos revisionismos históricos completamente desprovidos de bom senso, como é evidente o caso da tentativa de negação do Holocausto. O que não podemos e nem devemos fazer é concordar com o isolamento completo do Irã, ainda mais quando sabemos que vivemos num mundo repleto de contradições e de muita hipocrisia, afinal de contas não presenciamos recentemente uma política externa absolutamente agressiva (e que se utilizou inclusive da tortura) por parte de uma das mais importantes democracias do Ocidente?

Pio Penna Filho é Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo – USP e Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. (piopenna@gmail.com).

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