quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Zimbábue: renovação ou caos

História na mídia
Zimbábue: renovação ou caos, por Pio Penna Filho

Robert Mugabe, presidente do Zimbábue

Robert Mugabe é presidente do Zimbábue desde a sua independência, ocorrida em 1980, ou seja, já são 28 anos no governo. A evolução política recente do país mostra que a democracia não é uma das práticas prediletas do governo de Mugabe. Desde o início da década de 1990 as críticas contra o seu governo vêm aumentando, interna e externamente.Internamente, a oposição vem ganhando fôlego e é muito provável que tenha vencido o atual pleito em todos os níveis. Já está confirmado que no parlamento o governo perdeu. Externamente, a pressão sobre o governo Mugabe vem aumentando consideravelmente pelo menos desde que foi iniciada a ocupação ilegal e arbitrária de propriedades de zimbabuanos brancos no ano de 2000. O país não faz parte mais, por exemplo, da Commonwealth britânica. Inicialmente havia sido suspenso e depois se retirou por iniciativa própria. Mas não é só isso. Funcionários do governo têm encontrado cada vez mais dificuldades para viagens em missão ao exterior e outras sanções vêm sendo aplicadas contra o governo.O Zimbábue possui uma população estimada em torno de 12 milhões de pessoas, com duas etnias predominantes, os shonas (71% da população), e os ndebeles (16% da população). Cerca de 66% da população vive em zonas rurais, um dado importante e que se reflete no seu perfil econômico e político.

As eleições realizadas no sábado passado, dia 29/03/2008, indicam mudanças no cenário político do país. Os dois principais candidatos no pleito foram o próprio Robert Mugabe, disputando pelo partido governista União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica (ZANU-PF), e Morgan Tsvangirai, pelo Movimento para a Mudança Democrática (MDC).

Mugabe é uma liderança histórica e que tem a sua biografia política vinculada ao processo de independência do Zimbábue. Ficou preso por 10 anos e teve que viver no exílio, em decorrência de sua militância política contra o regime branco de Ian Smith que reproduzia, de certa forma, o regime sul-africano do “apartheid” na então Rodésia, antigo nome do Zimbábue. Mugabe também foi um dos signatários do Acordo de Lancaster House, que marcou o início da nova fase política do país, independente e sem o controle da minoria branca. Com o tempo, apegou-se ao poder e imprimiu um ritmo próprio e autoritário à política do Zimbábue.Morgan Tsvangirai teve sua iniciação política vinculada ao movimento sindical. Dentre outras atividades sindicais, foi Secretário Geral da Confederação de Sindicatos do Zimbábue (ZCTU) e um dos fundadores do Movimento para a Mudança Democrática (MDC), criado em 1999. Em sua carreira política constam 4 tentativas de assassinato, espancamentos e várias prisões e processos arbitrários, provando como é difícil fazer política num país controlado por um governo autoritário.Tsvangirai disputou as eleições presidenciais de 2002 com o próprio Mugabe. Obteve 41,9% dos votos contra 56,2% de Mugabe. A eleição foi considerada fraudulenta pelos observadores internacionais, mas acabou prevalecendo o resultado oficial. O fato de terem ocorrido muitas irregularidades durante o processo mostra que já havia uma insatisfação muito grande com relação ao governo, caso contrário Tsvangirai não teria conseguido, mesmo com fraudes, uma votação tão expressiva.Não houve, ainda, a divulgação do resultado final da atual disputa presidencial, mas já é sabido que o ZANU-PF não terá mais maioria no parlamento. Além disso, o MDC afirma que saiu vitorioso do pleito, opinião emitida após pesquisas realizadas por iniciativa própria. Esse clima de indefinição está gerando grande tensão nas principais cidades do país, uma vez que há riscos de ruptura da ordem e manifestações violentas por parte da população. Teme-se também que o governo de Mugabe possa estar tentando reagir por meio de um golpe de Estado. Mas tudo está ainda muito indefinido.Para tentar contornar resistências de setores governamentais, sobretudo dos militares e do aparato policial, o MDC já anunciou que não pretende adotar nenhum tipo de política de revisão dos abusos cometidos pelo governo de Mugabe, prometendo não processar e nem tampouco punir ninguém. Não se trata de uma decisão meramente demagógica. Há, de fato, uma preocupação muito séria com relação ao comportamento que será adotado pelos setores responsáveis pela repressão durante a Era Mugabe no caso de se confirmar a vitória da oposição. O bispo anglicano sul-africano e prêmio Nobel da Paz, Desmond Tutu, por exemplo, por temer que o país entre num processo de guerra civil, aventou a possibilidade do envio de tropas internacionais para o Zimbábue com o objetivo de conter uma possível escalada da violência. Naturalmente que essa seria uma medida drástica e está fora de questão, uma vez que seria necessário uma intervenção internacional.O Zimbábue já foi um país relativamente tranqüilo. No contexto africano chegou a ter uma economia que funcionava bem acima da média e projetava o país no cenário regional. Hoje, o quadro é completamente outro. Os zimbabuanos vivenciam um processo hiperinflacionário poucas vezes visto na história econômica, com taxas de inflação que chegam a superar os 100.000% ao ano. O desemprego já atinge cerca de 80% da população e o declínio da economia foi de 5% em 2006 com projeção de 6% para 2007. A expectativa de vida se iguala a dos países mais pobres da África e se situa em algo em torno dos 40 anos. Ou seja, o Zimbábue vive, sem dúvida, a pior crise econômica da sua história.Esses dados estão se refletindo nas eleições desse ano. Apesar do regime de força do ZANU-PF e do estilo autoritário e personalista de Mugabe, seria muito improvável que num processo eleitoral livre a população não votasse contra o governo. A insatisfação é quase geral. Talvez o único setor da sociedade zimbabuana que ainda acredita no governo seja a parcela de trabalhadores rurais que foram agraciados com terras resultante do processo atropelado de reforma agrária promovida pelo governo entre 2000 e 2001. Vale lembrar que naquela ocasião muitos brancos perderam suas terras em decorrência de um certo “populismo” governamental, o que ajudou em muito no acirramento da crise econômica do país. Enfim, o Zimbábue está, agora, vivendo no fio da navalha. É o momento da renovação. Ou do caos.


Pio Penna Filho é professor do Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT e pesquisador do CNPq (piopenna@gmail.com).
fonte: http://mundorama.net/2008/04/07/493/ acesso em 08/10/2009.

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