Questão 9
Desde a Antiguidade até a época helênica, e durante a Idade Média (em algumas culturas, até hoje) se conferiu aos terremotos, como a todos os fenômenos cuja causa se desconhecia, uma explicação mística. Os filósofos da antiga Grécia foram os primeiros a aventar causas naturais dos terremotos; no entanto, durante o período medieval, explicações desse tipo foram formalmente proibidas por serem consideradas heréticas, e a única causa aceita na Europa era a da cólera divina. Somente em princípios do século XVII é que se voltou a especular acerca das causas naturais de tais fenômenos.
Alejandro Nava, Terremotos. 4a ed. México: FCE, 2003, p.24-25. Traduzido e adaptado.
O texto menciona mudanças, da Antiguidade até o início do século XVII, na explicação dos fenômenos naturais. Hoje em dia, também é preciso considerar que as consequências dos terremotos não dependem só de sua magnitude, mas também do grau de desenvolvimento social do local onde ocorrem, como foi possível notar nos terremotos de 2010 no Haiti.
a) Identifique e explique as mudanças que, no contexto intelectual do século XVII, contribuíram para que os terremotos e outros fenômenos naturais deixassem de ser vistos apenas como fenômenos místicos.
b) No caso do Haiti, a pobreza do país ampliou o efeito devastador do fenômeno natural. Explique, historicamente, essa pobreza e seu impacto no agravamento das consequências dos terremotos.
Resolução
a) No século XVII, encontrava-se em marcha na Europa uma verdadeira revolução científica. Fundada no Racionalismo (herdado do movimento renascentista), essa revolução caracterizou-se pelo surgimento de um grande número de teorias e princípios que questionavam antigos dogmas, e conhecimentos baseados na tradição religiosa. Isaac Newton, Descartes e John Locke fizeram parte dessa revolução. Tendo como pano de fundo o crescente acúmulo do capital mercantil e o crescimento da influência social da burguesia, essa explosão do conhecimento científico trouxe desdobramentos não só no campo político (como o questionamento do poder absoluto do Estado), mas também no campo dos estudos dos fenômenos naturais — atmosféricos, mecânicos, gravitacionais e também geológicos, como os terremotos.
b) A dramática situação econômica haitiana possui raízes históricas antigas, que remontam ao período colonial e ao estabelecimento de uma estrutura econômica exploratória e dependente nos séculos XVI e XVII; à independência marcada pela revolução social negra e abolicionista que desestrutura a base produtiva do país no fim do século XVIII e ao longo do XIX; e à instabilidade política num século XX marcado pela Guerra Fria e pela manutenção de regimes políticos oligárquicos e ditatoriais.
O resultado desse processo histórico é uma economia e um Estado desestruturados já antes do terremoto, num país onde a precariedade dos serviços públicos e das construções, por exemplo, contribuíram para agravar os danos causados por essa tragédia natural.
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Questão 10
Viver numa grande cidade implica o reconhecimento de múltiplos sinais. Trata-se de uma atividade do olhar, de uma identificação visual, de um saber adquirido, portanto. Se o olhar do transeunte, que fixa fortuitamente uma mulher bonita e viúva ou um grupo de moças voltando do trabalho, pressupõe um conhecimento da cor do luto e das vestimentas operárias, também o olhar do assaltante ou o do policial, buscando ambos a sua presa, implica um conhecimento específico da cidade.
Maria Stella Bresciani, Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 16. Adaptado.
O texto mostra como o forte crescimento territorial e demográfico de algumas cidades europeias, no século XIX, redefiniu formas de convivência e sociabilidade de seus habitantes as quais, em alguns casos, persistem até hoje.
a) Cite e explique dois motivos do crescimento de cidades como Londres e Paris, no século XIX.
b) Indique e analise uma característica, dentre as mencionadas no texto, que se faça presente em grandes cidades atuais.
Resolução
a) O expressivo crescimento territorial e demográfico de Paris e Londres, no século XIX, pode ser explicado em grande parte pela consolidação do capitalismo. Esse período caracterizou-se pela industrialização das cidades e pela inserção do campo no processo produtivo urbano. Em consequência, acentuou-se o êxodo rural, que produziu uma forte concentração populacional nas duas cidades em questão, estruturando ao mesmo tempo uma sociedade característica.
b) Dentre as características mencionadas no texto, o candidato poderia citar:
• A vida na cidade enquanto experiência fundada no reconhecimento de códigos e comportamentos que permitem a sociabilidade. Os códigos são percebidos pelo olhar: trata-se de uma experiência cultural, um “saber adquirido” que implica o “reconhecimento de múltiplos sinais”.
• A referência ao grupo de moças voltando do trabalho identificadas como operárias. Muitas das grandes cidades do século XIX eram sobretudo centros industriais, e a vocação urbana da atividade industrial permanece até hoje.
• A referência ao policial e ao assaltante, na medida em que as grandes cidades são espaço de desigualdade social, uma vez nem que todos os seus habitantes encontram ocupação na economia urbana.
3º dia
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Questão 1
Se utilizássemos, numa conversa com homens medievais, a expressão “Idade Média”, eles não teriam ideia do que isso poderia significar. Eles, como todos os homens de todos os períodos históricos, se viam vivendo na época contemporânea. De fato, falarmos em Idade Antiga ou Média representa uma rotulação posterior, uma satisfação da necessidade de se dar nome aos momentos passados. No caso do que chamamos de Idade Média, foi o século XVI que elaborou tal conceito. Ou melhor, tal preconceito, pois o termo expressava um desprezo indisfarçado pelos séculos localizados entre a Antiguidade Clássica e o próprio século XVI.
Hilário Franco Júnior, A Idade Média. Nascimento do Ocidente. 3a ed. São Paulo: Brasiliense, s.d. [1986]. p. 17. Adaptado.
A partir desse trecho, responda:
a) Em que termos a expressão “Idade Média” pode carregar consigo um valor depreciativo?
b) Como o período comumente abarcado pela expressão “Idade Média” poderia ser analisado de outra maneira, isto é, sem um julgamento de valor?
Resolução
a ) Como observa Hilário Franco Jr. no excerto apresentado, a expressão “Idade Média” foi cunhada no século XVI, em meio à movimentação renascentista europeia. Na verdade, ela remeteria à ideia de um período histórico intermediário, sem grande importância e até mesmo marcado por uma certa mediocridade. Assim, sua escolha para designar o período localizado “entre a Antiguidade Clássica e o próprio século XVI” revela a visão dos intelectuais humanistas da época, para os quais era um “período de trevas”.
b) Contrariando o desprezo dos pensadores renascentistas, é possível julgar o período chamado de “Idade Média” levando em consideração seus aspectos positivos. Sob essa interpretação, os séculos entre a Antiguidade e o XVI estariam marcados também pela continuidade da cultura e da tradição clássicas, não configurando, desse modo, ruptura ou intervalo.
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Questão 2
Observe a imagem e leia o texto a seguir
Fonte: Michelangelo, A criação de Adão, detalhe do teto da Capela Sistina,
Vaticano (c. 1511). www.rastel.com.
Michelangelo começou cedo na arte de dissecar cadáveres. Tinha apenas 13 anos quando participou das primeiras sessões. A ligação do artista com a medicina foi reflexo da efervescência cultural e científica do Renascimento. A prática da dissecação, que se encontrava dormente havia 1.400 anos, foi retomada e exerceu influência decisiva sobre a arte que então se produzia.
Clayton Levy, “Pesquisadores dissecam lição de anatomia de Michelangelo”, Jornal da Unicamp, n º 256, junho de 2004,
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/junho2004/ju256pag1.html. Acessado em 11/06/2010.
a) Explique a relação, mencionada no texto, entre artes plásticas e dissecação de cadáveres, no contexto do Renascimento.
b) Identifique, na imagem acima, duas características da arte renascentista.
Resolução
a) Em um momento em que as inter-relações entre arte e ciência eram intensas, os artistas da renascença encontravam-se envolvidos em diversas questões que transitavam entre as pesquisas científicas e as aspirações artísticas. Michelangelo aprofundava seus conhecimentos sobre anatomia humana (dissecando cadáveres, por exemplo) e buscava, em suas pinturas e esculturas, a representação das formas o mais perfeita possível.
b) A imagem acima é fragmento da pintura de Michelangelo na Capela Sistina. O ideal estético da sua criação estava condicionado ao conhecimento científico e a concepções filosóficas neoplatônicas acerca do cristianismo. Desse modo, expressava os fundamentos do naturalismo e do racionalismo.
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Questão 3
Observe a seguinte foto.
Fonte: imagens das estátuas de Antônio Raposo Tavares (esq.) e Fernão Dias Pais (dir.), existentes no salão de entrada do museu Paulista, São Paulo.
Essas duas estátuas representam bandeirantes paulistas do século XVII e trazem conteúdos de uma mitologia criada em torno desses personagens históricos.
a) Caracterize a mitologia construída em torno dos bandeirantes paulistas.
b) Indique dois aspectos da atuação dos bandeirantes que, em geral, são omitidos por essa mitologia.
Resolução
a) Ao longo do século XX, a oligarquia paulista procurou mitificar a figura do bandeirante, apresentando-o como o valente desbravador que contribuiu para ampliar as fronteiras de nossa pátria. De acordo com essa visão romântica, o bandeirante paulista seria um verdadeiro herói nacional.
b) Outra interpretação histórica sobre a atuação dos paulistas do século XVII busca apresentá-los como vilões, porque, através da bandeira de preação de índios, foram responsáveis por dizimar muitas comunidades tribais e assassinar os jesuítas que dirigiam as missões. Além disso, com as bandeiras de sertanismo de contrato, eles se transformaram em matadores de índios e destruidores de quilombos. Por isso as autoridades portuguesas caracterizavam São Paulo como uma terra “sem rei, sem lei e sem fé”, e seus habitantes eram chamados de “bandidos”, “rebeldes insolentes”, “bárbaros cruéis” e “assassinos sanguinários”.
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Questão 4
Observe os dois quadros a seguir.
Fonte: Victor Meirelles de Lima, Combate naval do Riachuelo,
2ª versão, 1882 / 1883.
Fonte: Juan Manuel Blanes, A
destruição causada pela guerra, 1880.
Essas duas pinturas se referem à chamada Guerra da Tríplice Aliança (ou Guerra do Paraguai), ocorrida na América do Sul entre 1864 e 1870.
a) Esses quadros foram pintados cerca de dez anos depois de terminada a Guerra do Paraguai, o da esquerda, por um brasileiro, o da direita, por um uruguaio. Analise como cada um desses quadros procura construir uma determinada visão do conflito.
b) A Guerra do Paraguai foi antecedida por vários conflitos na região do Rio da Prata, que coincidiram e se relacionaram com o processo de construção dos Estados nacionais na região. Indique um desses conflitos, relacionando-o com tal processo.
Resolução
a) O primeiro quadro, pintado por um brasileiro, traz elementos que destacam uma visão heroica e de exaltação da vitória sobre o Paraguai. Os soldados estão acenando com seus chapéus e comemorando a destruição da frota inimiga, em chamas ao fundo.
O segundo quadro, pintado por um uruguaio, apresenta elementos que demonstram um visão mais crítica, de Renúncia das consequências da guerra. Uma mulher solitária observa corpos de soldados e material bélico destruído em um cenário arrasado pelos combates.
b) A Bacia Platina foi palco de diversos conflitos no século XIX. As posições conflitantes quanto à livre navegação e entre os projetos hegemônicos — como os da Argentina de Rosas e do Paraguai de Solano López — foram importantes ingredientes dessa situação. Entretanto estava também em pauta a formação e consolidação dos estados sul-americanos. Um exemplo relevante foi a “Guerra contra Oribe”, em que a interferência brasileira ocasionou a queda dos blancos e a ascensão dos colorados no Uruguai. Esse conflito desembocou ainda na “Guerra contra Rosas”, contra, Argentina.
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Questão 5
Este livro não pretende ser um libelo nem uma confissão, e menos ainda uma aventura, pois a morte não é uma aventura para aqueles que se deparam face a face com ela. Apenas procura mostrar o que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapado às granadas, foram destruídos pela guerra.
Erich Maria Remarque, Nada de novo no front. São Paulo: Abril, 1974 [1929], p. 9.
Publicado originalmente em 1929, logo transformado em best seller mundial, o livro de Remarque é, em boa parte, autobiográfico, já que seu autor foi combatente do exército alemão na Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918. Discuta a ideia transmitida por “uma geração de homens que, mesmo tendo escapado
às granadas, foram destruídos pela guerra”, considerando:
a) As formas tradicionais de realização de guerras internacionais, vigentes até 1914 e, a partir daí, modificadas.
b) A relação da guerra com a economia mundial, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX.
Resolução
a) A referência a “uma geração de homens” aponta para a Primeira Guerra Mundial como o primeiro grande conflito generalizado da era industrial. De fato, a mobilização tecnológica e industrial possibilitou não só a organização de exércitos formados por milhões de soldados, mas também a produção, em larga escala, de armas de grande efeito destrutivo.
b) As últimas décadas do século XIX foram marcadas pelo rápido desenvolvimento industrial de vários países europeus. Esse processo levaria a disputas imperialistas pelo mundo que contribuiriam para o desencadeamento da Primeira Guerra Mundial. A guerra, enquanto um conflito industrial em larga escala, traria efeitos para a economia mundial, como valorização de matérias-primas. Para os países diretamente envolvidos, implicaria a conversão da indústria convencional em bélica e o alto grau de endividamento, gerando grave crise econômica, desemprego e, portanto, um cenário desolador. Nesse contexto, o próprio modelo econômico liberal passaria por questionamentos.
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Questão 6
Considere as seguintes charges.
Fonte: Augusto Bandeira, Correio da Manhã, 14/07/1963 (esq.) e Biganti, O Estado de S. Paulo. 09/02/1964 (dir.). Imagens extraídas de: Rodrigo Patto Motta, Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 98 e 165.
Essas charges foram publicadas durante a presidência de João Goulart (1961-1964).
a) Cada charge apresenta uma crítica a um determinado aspecto do governo de Goulart. Identifique esses dois aspectos.
b) Analise como esses dois aspectos contribuíram para a justificativa do golpe militar de 1964.
Resolução
a) O governo João Goulart, sobretudo na sua fase presidencialista, entre janeiro de 1963 e março de 1964, foi intensamente atacado por grupos conservadores contrários às suas diretrizes econômicas e políticas. A primeira charge aborda um aspecto econômico, na medida em que ressalta a inflação, heranças de governos anteriores que se agravava naquele momento. A segunda aborda um aspecto político, pois alude ao fantasma do comunismo, fazendo uma crítica no perfil esquerdista do governo de Jango. Esses dois aspectos foram habilmente trabalhadas pelos grupos conservadores, o que contribuiu para a deposição de João Goulart.
b) Os setores civis e militares que se articularam para a deposição de Jango, com o golpe de Estado de 1964, justificavam-se diante da sociedade apresentando o governo como incompetente, corrupto e esquerdista. Incompetente para superar a grave crise financeira que corroía os salários e construir um caminho alternativo para o nosso desenvolvimento; corrupto pelo apoio supostamente comprado que recebia dos partidos e sindicatos ligados ao regime populista; e esquerdizante dado o avanço de forças socialistas nos espaços políticos cedidos a elas pela postura conivente do Presidente e de seus aliados. Os três argumentos eram contestados pelo governo, o que não foi suficiente para evitar o desenlace golpista em 1964.
alguém pra responder?
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