Pio Penna Filho
Os acontecimentos no Egito dominaram a agenda internacional nas últimas semanas e merecem alguns comentários mais detalhados, mesmo considerando o espaço limitado desta coluna.
A primeira observação é que trata-se de um episódio realmente significativo, não só para o próprio país, mas também para toda a região e o seu relacionamento com as grandes potências, especialmente com os Estados Unidos. A queda do governo Mubarak, que já durava mais de trinta anos, pode sinalizar para mudanças profundas na política egípcia. Ninguém pode dizer com certeza o que acontecerá no país nos próximos meses ou mesmo no próximo ano.
Todavia, existem algumas tendências básicas. Caso o país seja realmente democratizado, como sugere boa parte da imprensa internacional, é difícil pensar num futuro em que a Irmandade Muçulmana não tenha um papel de destaque a desempenhar no “novo” Egito. Aí, na perspectiva ocidental, as coisas começam a se complicar.
É improvável que a Irmandade Muçulmana, um grupo que já foi considerado radical e fundamentalista pelo ocidente (e também pelo governo Mubarak) mantenha, pelo menos no médio prazo, as diretrizes políticas que o governo Mubarak, e mesmo os setores militares, vinham mantendo.
Refiro-me, especialmente, ao alinhamento político com os Estados Unidos e às relações com o governo israelense. E isso tem implicações de envergadura para toda a região.
Mudanças na política egípcia parecem inevitáveis, embora o processo, repito, esteja longe de estar plenamente definido. Pode ocorrer, por exemplo, que o regime miliar ora instalado fique mais tempo do que o previsto inicialmente. Isso já aconteceu em outros países e a reação internacional não foi lá essas coisas, mesmo a despeito de ferir os princípios democráticos.
Segundo vários analistas, tudo teria começado a partir da Tunísia. A mudança de regime nesse país, quando comparada ao caso do Egito, tem repercussões de médio e longo prazos muito mais restritas. A importância geopolítica da Tunísia é bem mais modesta do que a do Egito. Aliás, muito se tem falado em democracia no norte da África e no Oriente Médio, mas acredito que esse é um aspecto que deve ser tratado de forma mais cautelosa.
Poucos países, entre o Oriente Médio e o todo o norte da África, podem ser considerados democráticos. Claro que isso não quer dizer que não possam se democratizar, mas pensar a democracia em toda essa região implica numa série de nuances que devem, necessariamente, ser contempladas. Quero dizer com isso que não há uma tradição democrática na região e que o mundo muçulmano tem uma visão sobre a política que é muito diferente da perspectiva ocidental.
No caso egípcio parece que as mudanças irão um pouco além da epiderme, mas considerar o que ocorreu lá uma revolução pode ser um exagero. É bem possível que a tendência que irá se consolidar seja justamente a de reforçar os laços árabes e muçulmanos do país, ou seja, não demora e todo o entusiasmo ocidental pode se desfazer tão rapidamente como surgiu.
Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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