CRÔNICA
Crônicas da vida alheia
Odair de Morais
Especial para o Diário de Cuiabá
Tempos atrás escrevi duas ou três croniquetas inspiradas em fatos que tinham sido protagonizados por conhecidos meus. Estou me especializando em matéria de vida alheia. Não que isso evidencie certa preferência por determinados assuntos ou uma vocação para fofoqueiro, como me escreve uma curiosa leitora, investigadora e estudante de Letras. Não é nada disso, boneca. Lá pelas tantas ela me pergunta ainda se eu realmente precisava me valer de tal expediente. Conforme avalia, tudo não passa de um recurso linguístico utilizado para contar mais uma historia “até engraçadinha”, na opinião dela. Fernando Sabino certa vez escreveu que para se tornar escritor é preciso estar decidido a contar mentiras. Deve ter sido o Sabino. Mas, se não foi, não faz a menor diferença. Tenho um amigo que me esculacha veementemente quando faço uma citação. Qualé?, ele me diz: Vai ficar tirando uma de intelectual agora? E está cheio de razão. Bobeira a gente querer agradar os críticos sem, primeiramente, pensar no leitor. O lance é dar risada, minha senhora, e gozar a vida. Tanto que, por causa daqueles textos que despretensiosamente narravam as peripécias de meus conhecidos, alguns chegados meus começaram a me parar na rua (ou mesmo me telefonar) para perguntar se o que haviam lido de fato se confirmava. Alguns, inclusive, chegaram a me contar suas histórias. E até quiseram vê-las aqui publicadas. Manoel, por exemplo, me abordou às vésperas do jogo decisivo entre Corinthians e Flamengo pela Libertadores: “Viu o que a torcida do Flamengo aprontou com o Ronaldo no Maracanã? Contratou vinte travestis, os quais chamaram de ronaldetes, pra recepcionar e desestabilizar o Fenômeno em campo. Imagina vinte travestis te enchendo o saco e gritando o seu nome.
Não sou homofóbico, cara, mas uma vez, saindo da faculdade, saca só o que aconteceu. Eu tava aguardando o ônibus, 11h da noite, quando dois gays apareceram. Sabe-se lá de onde. Aproximaram de mim e puxaram conversa. Perguntaram coisas triviais como: Tal ônibus já passou? Que ônibus cê tá esperando? Opa!, estranhei. Será que demora? Disseram que eram cabeleireiros. Até me deram um cartão, que, segundo eles, valia um corte “completamente de graça”. Meu, os caras já estavam incomodando... Cada vez mais invasivos, tocavam meu ombro como se eu tivesse dado confiança. Eu não tava gostando daquilo, mas fazer o que? Não sou de briga. Quando o ônibus se aproximou, fiz sinal para que o motorista parasse. Assim que entrei, os caras também subiram. Falavam alto, gesticulavam excessivamente e faziam alvoroço. Na hora em que iam passando a roleta, fingi que ia tirar uma dúvida com o motorista e desci imediatamente. Pensa que me livrei dos caras? Na mesma hora em que me viram fora do ônibus, os dois se puseram a gritar: Para, motorista. Pelo amor de Deus. Motorista, para. Nossa colega ficou! Pra quê? O ônibus entrou em polvorosa: todo mundo correu pra janela na intenção de ver o que tava acontecendo.” Este meu amigo costuma dizer que tem Manoel que não é mané, mas tem Odair (é só um exemplo) que é. No dia em que isso ocorreu, no entanto, ele afirma que se sentiu constrangido, um verdadeiro mané. Se tivesse denunciado, o inusitado logo se constataria. Os papéis de agressor e vítima (algo raro) estavam invertidos. Um caso fabuloso pra justiça brasileira: o lobo em pele de ovelha – longe de qualquer maledicência ou atitude politicamente incorreta.
*Odair de Morais é escritor e colabora com o DC Ilustrado
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