quarta-feira, 2 de junho de 2010

Israel, Irã e a Ameaça à Paz

Pio Penna Filho*

Enquanto o Irã está sendo acusado pelas grandes potências de representar uma ameaça à paz mundial, Israel desfechou um ataque descabido contra uma flotilha de ajuda humanitária organizada pela Organização Não Governamental “Free Gaza”, cujo objetivo era levar suprimentos para a região palestina que está cercada pelas tropas de Israel.
Esse episódio é, no mínimo, revelador de quem realmente representa uma ameaça para à paz, seja no Oriente Médio, seja no mundo. Contra Israel há o protesto sem grandes consequências práticas, ou seja, o turbilhão de vozes daqueles que não tem poder mas que, teimosamente, insistem em denunciar atrocidades cometidas pelo Estado judaico. Contra o Irã, o paradoxo: o clube seleto e fechado dos que mandam na política mundial consegue, quase que silenciosamente, estabelecer sanções e punir o povo iraniano pela teimosia do país em não se dobrar frente ao desejo dos Estados Unidos.
A atitude crescentemente arrogante das elites políticas israelenses frente à questão palestina tem levado muito mais instabilidade ao Oriente Médio do que a atitude dos radicais nacionalistas iranianos. Embora ambos tenham muito o que explicar em termos de desrespeito aos direitos humanos, a cobrança tem sido desproporcional.
A dita “comunidade internacional”, capitaneada pelo Ocidente (leia-se Estados Unidos e seus aliados europeus), cobra do Estado iraniano mais democracia e mais respeito aos direitos civis, chegando mesmo a ameaçar o Irã com retaliações comerciais e econômicas, além da tentativa permanente de isolamento político do país.
A mesma comunidade, todavia, faz vistas grossas aos freqüentes e recorrentes atropelos aos direitos humanos promovidos por sucessivos governos israelenses em territórios que sequer lhe pertencem. Ou seja, Israel ataca, destrói, coage, assassina e promove o sofrimento humano em larga escala e nada acontece, uma vez que está “blindado” como aliado tradicional dos Estados Unidos.
Numa tentativa de descaracterizar a missão humanitária da flotilha que tentava chegar à Faixa de Gaza, o governo israelense divulgou na internet imagens dos atos “hostis” que as pessoas que estavam nos navios ocupados pelos comandos israelenses tiveram no momento do desembarque aerotransportado.
Não bastasse a “infame” resistência à ocupação dos navios pelos soldados de Israel, também foram divulgadas imagens com as armas que estariam sendo transportadas no navio. Parece ridículo, mas está lá, na web: estilingues e barras de ferros que foram usadas para “agredir” os heróis de Israel! O detalhe é que tudo isso, conforme noticiado, ocorreu em águas internacionais, portanto, ao arrepio da lei. Nem mesmo os piratas somalis são tratados dessa maneira.
É preciso ter muito cuidado quando ouvimos acusações sobre “ameaças” à paz mundial. Não é de hoje que as grandes potências utilizam o virtual controle da mídia internacional para fabricarem imagens negativas e construir fantasmas que na verdade não existem. Note-se, por exemplo, que os Estados Unidos usaram o discurso da existência de armas de destruição em massa para atacar e ocupar o Iraque. E onde, afinal, estão as armas de Sadam Hussein? Alguns pontos para reflexão: quem ameaça mais o mundo, o presidente iraniano e suas bravatas ou a desenvoltura israelense em não aceitar as regras básicas de convívio internacional? E o que dizer da atuação irresponsável dos grandes banqueiros e dos especuladores que provocam crises verdadeiramente catastróficas?
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e Pesquisador do CNPq. E-mail:
piopenna@gmail.com

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