Pio Penna Filho*
A questão hondurenha se transformou no pomo da discórdia no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Por trás da querela diplomática que está sendo travada na OEA em torno do retorno do país ao seus quadros, encontramos um mundo de divergências que demonstram o desgaste da imagem dos Estados Unidos perante boa parte dos países da chamada América Latina.
O golpe que depôs o presidente Zelaya azedou as relações de Honduras com importantes expoentes latino-americanos. Na América do Sul, Brasil, Venezuela, Argentina e Bolívia foram os países que demonstraram maior irritação com a solução da crise hondurenha.
A posição adotada pelo Brasil foi clara: o retorno de Zelaya à presidência sem nenhum tipo de restrição ou condicionalidade. O governo brasileiro interpretou o golpe como uma usurpação do poder e não admitia que o processo fosse legitimado por quem quer que fosse, seja no plano interno ou no externo. O interessante da questão é que o Brasil tomou as dores de um governo que, a rigor, nem era tão alinhado e nem tampouco vinculado econômica ou comercialmente ao país. Ademais, Honduras estaria fora, pelo menos em tese, da área prioritária de atuação da diplomacia brasileira no contexto latino-americano, uma vez que, por opção, o Brasil escolheu o espaço sul-americano como objetivo primordial de sua política externa.
Talvez por uma questão de coerência o governo brasileiro continue mantendo sua posição de apoio a Zelaya, mesmo sabendo que dificilmente poderá encaminhar qualquer política que modifique o estado atual da questão hondurenha. Como todos que acompanharam o caso sabem, Honduras já passou por um processo eleitoral e possui um novo governo, eleito e reconhecido internacionalmente por vários Estados, dentre eles os Estados Unidos.
O novo presidente de Honduras, Porfírio Lobo, assumiu o cargo com um discurso conciliador e pacifista, mas também determinado a manter-se no poder e dar continuidade à vida política hondurenha. Nesse sentido, a idéia do retorno puro e simples de Zelaya ao poder perdeu a sua razão de ser.
Agora o debate foi trasladado para o âmbito da OEA, mas numa perspectiva distinta. A posição do Brasil e de outros Estados latino-americanos é que Honduras só possa ser readmitida na Organização se aceitar a plena reintegração política de Zelaya, sem que ele sofra qualquer penalidade interna por ato político praticado enquanto era presidente do país.
Uma das questões que podemos inferir a partir da análise do que está acontecendo em torno da controvérsia hondurenha na OEA vincula-se às desgastadas relações entre os Estados Unidos e outros Estados da região, sobretudo com o Brasil e com a Venezuela.
Essa linha de interpretação sugere que não devemos analisar a questão de Honduras apenas pela ótica da evolução política do país. Trata-se, na verdade, do choque de dois projetos políticos ou visões de mundo distintas. De um lado, podemos identificar a tradicional política norte-americana de encarar a América Latina como incapaz de fazer suas próprias escolhas políticas e, de outro lado, de uma tentativa um tanto difusa de reorientação política que caminha para a auto-afirmação dos Estados latino-americanos frente, sobretudo, aos Estados Unidos. Enfim, é uma queda de braço importante, mas que possui uma brutal desigualdade de poder entre os seus contendores.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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