sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ossos oferecem visão sobre a vida dos neandertais
Por Carl Zimmer

New York Times News Service
No fundo de uma caverna, nas florestas do norte da Espanha, estão os resquícios de um terrível massacre. As primeiras pistas apareceram em 1994, quando exploradores encontraram na caverna El Sidrón o que acharam se tratar de mandíbulas humanas. Inicialmente, imaginou-se que os ossos fossem da época da Guerra Civil espanhola. Na ocasião, soldados republicanos usaram a caverna como esconderijo. A polícia descobriu mais fragmentos de ossos em El Sidrón, que foram enviados a cientistas forenses. Estes determinaram que os ossos não pertenciam a soldados, ou mesmo ao humano moderno. Aqueles eram restos mortais de neandertais, mortos há 50 mil anos.

Hoje, El Sidrón é um dos locais mais importantes do mundo para se aprender sobre neandertais, que viveram na Europa e na Ásia entre 240 mil a 30 mil anos atrás. Cientistas descobriram outros 1.800 fragmentos de ossos na caverna, alguns dos quais geraram trechos de DNA.

Mas o mistério permanece há 16 anos. O que aconteceu às vítimas de El Sidrón? Num artigo desta semana em “The Proceedings of the National Academy of Sciences”, cientistas espanhóis que analisaram os ossos e o DNA relatam a terrível resposta. As vítimas eram doze membros de uma mesma família, mortos por canibais.

“Essa é uma descoberta impressionante”, disse Todd Disotell, antropólogo da Universidade de Nova York. Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, disse que o artigo “nos dá o primeiro vislumbre de estruturas sociais entre os neandertais”.



Todos os ossos foram localizados num espaço com o tamanho de um quarto, apelidado pelos cientistas de Túnel de Ossos. Eles estavam misturados numa confusão de cascalho e lama, sugerindo que eles não morreram nesse cômodo. Em vez disso, eles morreram na superfície acima da caverna.

Seus restos mortais não poderiam ter ficado ali por muito tempo. “Os ossos não foram varridos ou desgastados pela erosão”, disse Carles Lalueza-Fox, da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, co-autor do novo artigo. Parte do teto no Túnel de Ossos provavelmente desabou durante uma tempestade, e os ossos teriam caído dentro da caverna.




Nenhum osso animal foi arrastado ao Túnel de Ossos junto aos de neandertais. Na verdade, a única outra coisa que os cientistas encontraram lá foram fragmentos de lâminas de ossos. E quando os cientistas examinaram detalhadamente os ossos, eles encontraram marcas de cortes – sinais de que as lâminas haviam sido usadas para separar os músculos dos ossos. Os ossos grandes haviam sido quebrados e abertos. A partir dessas pistas, os cientistas concluíram que os neandertais foram vítimas de canibalismo. Indicações de canibalismo entre neandertais foram encontradas em outros locais, mas El Sidrón é excepcional pela extensão das evidências.

Ao examinar os fragmentos de ossos, os cientistas tentaram juntar os pedaços. Alguns dentes soltos se encaixam com precisão em mandíbulas, por exemplo. “A coisa toda era muito complicada. Na verdade, aquilo estava uma bagunça”, afirmou Lalueza-Fox.

Após anos resolvendo esses quebra-cabeças anatômicos, Lalueza-Fox e seus colegas identificaram 12 indivíduos. O formato dos ossos permitiu que os cientistas estimassem idade e sexo. Os ossos pertenciam a três homens, três mulheres, três meninos adolescentes e três crianças, incluindo um bebê.

Assim que os cientistas souberam com o que estavam lidando, eles examinaram o DNA nos ossos. A escuridão fria e úmida de El Sidrón fez da caverna um excelente armazém para DNA antigo. Lalueza-Fox e seus colegas publicaram uma série de intrigantes relatos sobre seu DNA. Em dois indivíduos, por exemplo, eles encontraram uma variante de gene que pode lhes ter dado cabelos ruivos. Eles se lançaram num ambicioso projeto de encontrar DNA nos dentes de todos os 12 indivíduos. Em um teste, eles conseguiram identificar um cromossomo Y em quatro. Os cientistas já haviam identificado esses quatro como machos – os três homens e um menino adolescente – com base em seus ossos.

Em seguida, os cientistas buscaram por DNA mitocondrial, que é passado de mãe para filho. Eles procuraram especificamente por dois pequenos trechos, chamados HVR1 e HVR2, especialmente inclinados a mutações de geração a geração. Os 12 neandertais geraram HVR1 e HVR2. Os cientistas descobriram que sete deles pertenciam à mesma linhagem mitocondrial, quatro a uma segunda linhagem, e um deles a uma terceira.

Lalueza-Fox argumenta que os neandertais deviam ser parentes próximos. “Se você sai às ruas e coleta amostras de 12 indivíduos aleatoriamente, é praticamente impossível encontrar sete deles com a mesma linhagem mitocondrial”, disse ele. “Mas se você for à festa de aniversario de uma avó, a probabilidade é a de encontrar irmãos, irmãs e primos em primeiro grau. Você facilmente encontraria sete pessoas com a mesma linhagem mitocondrial”.

Os três homens possuíam o mesmo DNA mitocondrial, o que pode significar que eles eram irmãos, primos ou tios. As fêmeas, porém, vinham todas de diferentes linhagens. Lalueza-Fox sugere que os neandertais viviam em pequenos grupos de parentes próximos. Quando dois grupos se encontravam, eles algumas vezes trocavam filhas.

“Só consigo imaginar as meninas neandertais, entregues tão cruelmente quanto as meninas modernas, tendo de deixar seus familiares mais próximos em seu dia de ‘casamento’”, disse Mary Stiner, antropóloga da Universidade do Arizona.

Linda Vigilant, antropóloga do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, na Alemanha, considera a pesquisa “um bom começo”. Mas ela contesta a afirmação de Lalueza-Fox, de que os neandertais seriam familiares próximos por pertencerem à mesma linhagem mitocondrial. Em seus estudos com chimpanzés selvagens, ela afirma que alguns chimpanzés com HVR1 e HVR2 idênticos não possuem parentesco próximo.



A melhor forma de resolver o debate, segundo Vigilant, é encontrar mais DNA neandertal, ao qual os genes de El Sidrón possam ser comparados. “É empolgante pensar que podemos realmente ser capazes de solucionar essa questão num futuro próximo”, disse Vigilant.

Lalueza-Fox acha que pode ser possível desenhar uma genealogia detalhada dos neandertais de El Sidrón nos próximos anos. Ele também espera compreender melhor como eles morreram. As lâminas de pedra podem oferecer uma pista. Elas foram feitas de rochas localizadas a apenas algumas milhas da caverna. As vítimas podem ter entrado no território de outro grupo de neandertais. Por seu ato de invasão, eles pagaram o maior preço possível.

Tradutor:
Gabriela D'Ávila

Fonte: www.noticias.uol.com.br

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