quarta-feira, 5 de janeiro de 2011




Sem Lula
Por Bernardo Ricupero
cientista político e professor do Departamento de Ciência Política da USP





As últimas semanas do governo Lula corresponderam à consagração definitiva do ex-líder sindical. Foi-se num crescendo, onde vale destacar o discurso de final de ano do ainda presidente: o batismo pela Petrobrás de um campo de petróleo de Lula. O clímax desse processo foi a posse de Dilma Rousseff. Não por acaso, o governo Lula atingiu 87% de aprovação, índice inédito desde que esse tipo de pesquisa começou a ser realizado.

Como é natural, os diferentes discursos proferidos por Lula e Dilma realizaram uma espécie de balanço dos últimos oito anos, além da nova presidenta indicar diretrizes para o futuro. É interessante que, ao avaliarem a “era Lula”, não destacaram apenas as realizações econômicas – como o crescimento de quase 8% esse ano – e os feitos sociais – principalmente a redução da pobreza – mas a recuperação da confiança do brasileiro.

Ou seja, um dos principais méritos do último governo não teria propriamente cor política, não sendo o resultado de uma orientação de esquerda ou de direita, mas seria, em boa medida, o resultado da capacidade de Lula liderar e inspirar seus concidadãos. Significativamente, um governo que não tinha nada de esquerdista, o de Ronald Reagan, gostava de se apresentar como aquele que tinha recuperado a autoestima dos EUA depois do fiasco da Guerra do Vietnã, também, em grande parte, devido às qualidades do ex-presidente.

Os discursos, como é comum nessas ocasiões, fornecem diversos outros exemplos de apelos não políticos. Entre eles, vale ressaltar as seguidas referências à família, bastante estranhas à tradição de esquerda. A imagem sugerida a respeito do presidente é de uma espécie de chefe de família, cioso pelo destino de seus filhos e filhas.

Mais importante, a auto-avaliação daqueles que estiveram à frente do governo nos últimos anos destacou a importância de Lula. Tal representação não deixa de contrastar com a primeira eleição do metalúrgico, em 2002, quando o triunfo foi encarado como igualmente, se não, como principalmente do PT.

Nessa referência, talvez se pudesse tomar os últimos dias do governo Lula como a culminação do que foi chamado de lulismo, fenômeno que é identificado principalmente com a progressiva desvinculação de Lula do PT. Nessa mudança, a crise do “mensalão” e a desilusão por ela provocada teriam sido decisivas.

O lulismo não se reduz, entretanto, à autonomização de Lula do PT. Há outras implicações relevantes, uma delas, como indicou quem melhor o estudou, o cientista político André Singer, o apoio ao ex-presidente e a seu partido já não vem tanto dos setores organizados, mas de um subproletaridado. A partir daí, abre-se caminho para a aproximação do lulismo com o getulismo, já que a liderança dos dois presidentes apoiou-se, em grande parte, na relação direta com as massas.

É sintomático no discurso de despedida de Lula a referência implícita à carta testamento de Getúlio. No entanto, sugere-se uma quase inversão, o governante não mais saindo “da vida para entrar na História”, mas saindo do “governo para viver a vida das ruas”. No mesmo sentido, a resolução indicada no discurso do ex-presidente, de continuar a viver “no coração do povo”, foi literalmente realizada na posse da sua sucessora, quando, numa imagem forte, o já cidadão comum desceu a rampa do Palácio do Planalto e se confundiu com a multidão.

A relação do lulismo com o getulismo é, porém, mais complexa do que se pode imaginar. Se, por um lado, há continuidade no estilo das duas lideranças, por outro lado, não menos significativas são as mudanças sociais e políticas ocorridas entre seus governos.

Na verdade, há, como tem indicado Luiz Werneck Vianna, uma certa ironia em que Lula e o PT no governo se assemelhem a Getúlio e ao PTB. Até porque o partido, que surgiu das greves do ABC do final dos anos 1970, teve como base programática inicial a crítica ao populismo, que impediria as classes de representarem diretamente seus interesses. Em compensação, a eleição de Lula, já em 2002, é indicativa de transformações profundas no Brasil, que tornaram possível a vitória de um partido com forte apoio nos movimentos sociais surgidos desde o fim da ditadura.


Mesmo durante os anos Lula, além do crescente apoio do subproletariado, o governo não deixou de contar com a sustentação, por vezes resignada, dos movimentos sociais. Não por acaso, o desfecho da “crise do mensalão” foi diferente do “Collorgate”, em que o então presidente só podia apelar aos “descamisados” .

Isto é, o governo Lula se sustentou em duas pernas: os movimentos sociais, tradicionalmente identificados com o PT, e um subproletarido, do qual o presidente se tornou interlocutor direto. É provável, portanto, que um dos aspectos mais diferentes do novo governo seja de estilo: Dilma não podendo se identificar com a maioria da população brasileira como faz Lula.

Um comentário:

  1. Concordo contigo quando fala que a comparação entre "lulismo" e "getulismo" não é tão simples o quanto parece, até porque, são contextos históricos diferentes.
    Mas de uma coisa eu tenho certeza: São os dois maiores estadista que este país já teve e somente em dois momentos da nossa história tivemos presidentes que oportunizaram o povão: período Vargas e o período Lula.
    Engraçado que a construção da imagem de Vargas contou com forte contribuição dos meios de comunicação da época, que controlados pela DIP, exaltavam a figura do então presidente e suas respectivas ações (positivas)de governo. No que se refere a Lula, esta construção positiva jamais aconteceria se dependense dos nossos meios de comunicação. Aliás que imprensa nós temos... aff
    Concluindo... a positividade e consequentemente a aprovação do Lula emanou da relação direta entre governo e povo através dos atos governamentais e do grande respeito atribuido ao estadista brasileiro no meio político internacional.

    hermes júnior

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