Liberdade por um fio: história
dos quilombos no Brasil
José Carlos Sebe Bom Meihy
Depto. História – FFLCH/USP
REIS, João José & GOMES,
Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São
Paulo, Cia das Letras, 1996, 509p.
Os Fios da Liberdade
De certa
forma, vale dizer que a recente historiografia brasileira sobre os negros evoca
a sina de Sísifo. Condenada por um calendário renitente, de tempo em tempo,
assiste-se ao repetido castigo de subir a montanha com a pedra que há de rolar
novamente. Tudo recomeça a cada sol, ou a nova celebração que dê oportunidade
para se tocar em temas afeitos à negritude. Em regra, tudo funciona como um
monótono movimento pendular que marca as horas de certos mesmismos
explicativos. Foi assim com o centenário da abolição; da mesma forma ocorreu
com a comemoração dos 300 anos da morte de Zumbi, assinalada no transcorrer de
1995.
Congressos,
cursos, conferências se sucedem em situações como essas reprisando, quase sem
exceções, a seqüência de protestos que se esgotam na inefável explicação consubstanciada
no mito da democracia racial. Como mero discurso de denúncia, o que se tem
feito é a conclamação da sociedade a devolver aos negros os direitos que lhes
foram usurpados. Se isto é legítimo, cabe questionar os fundamentos e nesta
senda perscrutar novidades.
Os mais
sensatos, depois de procedidos rescaldos da avalanche de textos que decorrem do
celebracionismo, podem ter algumas surpresas que fogem das modestas revisões
sobre a prática dos preconceitos, racismos, lapsos e equívocos da legislação, desvios
das normas supostamente antidiscriminatórias – em tempos do "politicamente
correto" estas constatações viram obsessão. Procedido o exercício da
escolha, pode-se vislumbrar alguma luz capaz de fazer brilhar argumentos
potentes para instruir procedimentos que superam revanchismos ou práticas
paternalistas. Sobretudo, para isto, convoca-se o exame de uma história de
relevância temática, capaz de propor nova lógica em uma sociedade onde, vis à
vis, o espelho e o "esquecimento" promovem repetições.
Especificamente
sobre os negros, o comportamento crítico-historiográfico tem sido sobremaneira
omisso. Vendo em conjunto, considerando o mau resultado dos estudos sobre a
escravidão brasileira e a projeção sobre o presente, verifica-se que os debates
vinculados à chamada "questão negra" parecem ter perdido a
consistência. Faltam análises seqüenciais e esta ausência estabelece uma
fronteira fechada entre partes. Esfacelada em espontaneísmos lustrados na
prática da denúncia, do silêncio ou do deslumbramento exotista, o que se
compromete na visão do negro é a dimensão histórica que dá vida ao tempo
presente. A falta de relação entre o enredo pretérito e a lista de
reivindicações do momento provoca uma sensação de vazio explicativo que
justifica uma militância às vezes fastidiosa porque ignorante.
O pior é que
no ostracismo palaciano dos debates acadêmicos sobre o passado racista nacional
fica trancada a perspectiva histórica que garantiria especificidade aos debates
sobre os negros na sociedade nacional. Sendo verdade que este é um problema
genérico, de diferentes quadrantes do mundo, não é menos evidente que a perda
da dimensão histórica tem produzido monstros na razão das políticas do estado
de hoje. No Brasil, isto resulta deformações formidáveis. Como se fossem duas
metades distintas, os estudos históricos sobre o escravismo, quase sempre, se
desprendem da discussão sobre o presente. No caso da escravidão, com
freqüência, os trabalhos deleitam em aliviar o teor violento do passado e no
lugar sugerem exercícios que nada tem a ver com o quadro atual. A
descontinuidade é marca não apenas da alienação acadêmica mas também da
descartabilidade da cultura universitária na instrução de políticas públicas.
A tradição de
uma história incruenta, sem sangue nem ódios, isenta de torturas e definições
de diferenças, tem sido reinventada entre nós a partir dos usos, às vezes
ingênuos, de supostos da Nova História arremedada da forma francesa. Sobre isto
aliás Jacob Gorender já escreveu, exponenciando os efeitos da adocicação do processo
escravocrata, que troca, sem pudor, a luta de classes, pelas soltas explicações
sobre mentalidade, imaginário e representações.
Paradoxalmente,
o celebracionismo que marca nossa vida acadêmica, de repente, tem tido que
enfrentar a perversidade do calendário e render-se ao inevitável, às conexões
entre passado e presente. Isto ocorre quando o sujeito desta história, o
próprio negro, convoca explicações, gera o debate que lhe garanta algum
direito. É aí que a contradição entre o processo historiográfico encerrado nas
faculdades de filosofia se mostra mais frágil e afônico para dar respostas.
Num balanço
possível sobre o que se tem publicado no Brasil a respeito do negro, em um
esforço para não se perder os nexos capazes de estabelecer lógicas de
tratamento entre o passado e o presente, surge um trabalho inquietante e assaz
provocativo. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil (Companhia
das Letras) é uma coletânea organizada por João José Reis e Flávio dos Santos
Gomes. Reunindo especialistas em temas vinculados a escravidão ou a assuntos
diretamente ligados a ela, dezessete autores apresentam versões sobre um
daqueles temas capitais na formação da sociedade brasileira: os quilombos.
Sendo verdade que o assunto já havia recebido atenção de autores como Edson
Carneiro, Arthur Ramos, Ernesto Ennes, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento e
Décio Freitas, pergunta-se desde logo: qual o significado distintivo deste
trabalho? Qual o sentido de sua inscrição no momento corrente?
Dois vetores
nortearam o arranjo do livro: os espaços geográficos que percorrem o mapa
brasileiro e o atravessamento temporal que flui do século XVII até o presente.
Exibindo um contexto geral, de sul a norte do país a fuga de escravos é
mostrada como prática incessante de busca da liberdade, dignidade. A
persistência deste recurso através dos tempos deixa entrever a longa duração do
tratamento separatista entre negros e brancos. Por lógico, não se pode deixar
de reclamar neste plano quase perfeito a ausência dos quilombos paulistas posto
que pesquisadores do porte de Carlos Vogt e Peter Fry esmeram-se em estudos
sobre Cafundó (que é apenas citado em nota de rodapé). Aliás, a inclusão desta
pesquisa no conjunto daria mais vida a temporalidade pretendida pelo projeto.
Ainda que em tamanho os artigos se equilibrem, em termos de abordagem e de
conteúdo são bem diferentes. Mais que a preocupação espacial e temporal cabe
garantir que o conjunto discute as relações entre o escravismo, sua projeção e
a sociedade brasileira.
Palmares
O livro, como
seria previsível, dá especial ênfase ao caso de Palmares, a mais importante de
nossas experiências de quilombolas. Neste sentido, há um bloco composto de seis
textos devotados ao tema. A ordem, contudo, deixa dúvidas posto que abre com
uma pesquisa que ainda é promessa, de retomada dos debates historiográficos
através da aventura arqueológica. O artigo de Pedro Paulo Funari, narrado a
moda de relatório ou projeto, desperta curiosidades que não são satisfeitas ao
longo de exposições convencionais e mal cozidas.
A proposta
seguinte, de Richard Price, aponta para uma interessante história ucrônica,
mas, a autoridade do autor em relação às experiências, de quase trinta anos no
Suriname, fica desequilibrada em relação a nossa que lhe é muito pouco
conhecida. O resultado pois é uma "carta de intenções" que tanto
compromete o autor como o distancia de outros brasilianistas dedicados a esta
questão. Mesmo assim não há como desconhecer a relevância da comparação
indicada posto que, finalmente, apontar-se-ia para uma história da América
Negra.
Estimulante a
proposta de Ronaldo Vainfas que, mostrando os jesuítas como um bloco, parte do
discutível pressuposto de que os loyolanos "falaram pouco de
Palmares". O autor, ao costurar o discurso do Padre Vieira ao de Manuel
Fernandes, estabelece o paradoxo entre cristianização e colonização garantindo
que os S.J. ao evitar os quilombos detiveram-se mais na escravidão. É claro, o
acento é colocado na posição do Padre Antônio Vieira que, contudo, é mostrado
apenas em relação aos escravos, sendo deixado de lado o enquadramento
triológico da ação vieirense centrada na combinação salvacionista dos índios,
judeus e escravos. Sem mencionar que os homens só se salvariam em conjunto fica
sem cenário integrativo, a visão do missionário.
Instruído o
texto de Silvia Hunold Lara é uma preciosa retomada do percurso historiográfico
de Palmares. Sem perder a tendência às aproximações épicas, o quilombo é
salientado pelas leituras "à esquerda" que o evidenciam como um
problema capaz de justificar um processo repressivo que contava com
capitães-do-campo, capitães-mores-das-entradas. Toda uma legislação cautelosa
se constitui como maneira de articular prevenções de fugas. Sobremaneira é
sagaz a pontuação feita em cima do caráter solidário que tanto aliava fugitivos
como proprietários. É exatamente no extravasamento do "delito" e na
"coletivização" da repressão que se deu o estabelecimento sistemático
de um medo de "outros Palmares".
A graça do
texto de Luiz Mott cai como uma benção no conjunto dos artigos. Ao discutir a
figura de Santo Antônio, retraça o perfil da sociedade que impunha papeis
belicosos que mesclavam conceito de guerra santa com militância religiosa. Tudo
é procedido com cuidados que mostram a fundamentação teológica na ação do santo
evocado como intercessor do pavor infidelium. Se o texto é abrangente não deixa
também de calibrar exemplos que vinculam diretamente com repressão a Palmares
onde o santo teria ido, em imagem, lutar contra os negros rebelados.
Quilombos Regionais
O texto de
Carlos Magno Guimarães funciona como ponte entre a temática específica de
Palmares e a abertura para a reflexão sobre outros quilombos regionais. Minas é
apontada como alternativa de desdobramento pela concentração de negros escravos
trabalhando na mineração. Tratando de "classe escrava" o autor mostra
a especificidade daqueles quilombos generalizando, porém, as conclusões para o
Brasil. Nesta senda, pontua um dos problemas mais expressivos na retomada da
temática quilombola: seu caráter de "contradição do escravismo moderno,
levando em conta as especificidades conjunturais". Apesar de ser um texto
que arrola problemas relevantes esmorece, tanto por insistir em uma linha
expositiva demais pedagógica como por apelar para dispensável fundamentação
conceitual acetada em Bobbio e Lênin que, aplicados explicitamente para
explicar Minas, causa ruídos inúteis. De qualquer forma, abre debate para os
demais quilombos e garante o diálogo com outros temas dados à proposição do
quilombismo na história nacional.
Donald Ramos
retoma o mote da inscrição do quilombo no contexto regional e mostra que os
redutos de Minas não existiam isoladamente. Mais, indica que a aventura dos
quilombolas pode ser vista como estrada de mão dupla, onde trafegavam
proposições coletivas, contra a escravidão, e interesses individuais. Situado o
campo de exemplificação em Minas, fica ressaltada a característica da
proximidade daqueles quilombos dos centros de mineração. A questão do
recrutamento é ponto básico para se entender a multiplicidade dos quilombos. Ao
mostrar a sintonia entre os mucambos e os pólos urbanos, Ramos salienta o papel
dos vínculos institucionais, principalmente da Igreja Católica, como forma de
relacionamento entre os escravos e a sociedade. A educação e o acesso às
irmandades são mostradas como critérios de "aculturação" e que mesmo
eficientes, não teriam conseguido a adesão dos negros ao regime. Os quilombos
de Vila Rica no século XVIII, embora pequenos são fundamentais para o
entendimento do processo como um todo. Os quilombos que ele chama de
"anônimos" teriam sido "parte integrante da vida do século
XVIII".
Laura de Mello
e Souza, como todos os demais autores, exponencia a questão do medo. Sua
ênfase, contudo, centra-se na sociedade mineira da segunda metade do nosso
século de ouro. O ressurgimento do quilombo do Ambrósio é o tema do texto que
analisa um dos mais curiosos casos de repressão a quilombos: a campanha para o
aniquilamento daquele campo. Várias expedições "bélicas" eram
organizadas a fim de vasculhar o sertão atrás de quilombos, mas nenhuma teria,
em Minas, sido mais eloqüente que a articulada durante três anos, contando com
cerca de quatrocentos integrantes. A figura de Inácio Correia Pamplona é
eregida como desbravador de sertões e destruidor de quilombos, na mesma medida
em que é mostrado como um dos três grandes delatores da Inconfidência Mineira.
Um dos ângulos mais interessantes deste processo é a mostra do lado
"civilizado" da expedição que possuía músicos e rezava missas, dando
mostras da existência de um lado moral na "caça" aos escravos. Ainda
que a autora veja poemas populares como "toquíssimos" e constate
"versinhos ingênuos" e "orquetrinhas" estas manifestações,
encravadas no cotidiano violento dos mineiros é prova paradoxal da
"civilidade" tida como padrão.
Reclamando que
a historiografia pouca atenção tem prestado aos quilombos mato-grossenses,
Luiza Rios Ricci Volpato contextualiza a vida daquele interior como "zona
de fronteira" e, baseada nisto, alia a instalação dos redutos de fugitivos
com a fixação do povoamento, principalmente na segunda metade do século XVIII.
As regras rígidas da mineração limitavam a agricultura e os escravos da área
possuíam pouca especialização o que atesta o nível de pobreza local. Isto porém
não atrapalhou a organização de alguns quilombos que tiveram resultados felizes
na estruturação interna. A característica mais exuberante deste estudo diz
respeito á prática da cooptação pelo estado. Tanto negros quilombolas quanto
índios eram igualmente atraídos para os trabalhos nas fileiras da ordem que
precisava vigiar as fronteiras. A finalização do texto é uma saudação aos
quilombos que teriam provocado pequenos núcleos de povoamento, disciplinando a
população além de motivar a solidariedade grupal.
A
brasilianista Mary Karasch aborda Goiás mostrando a resistência de quilombos
que teriam durado desde 1727 até o século XX. Mostrando que um estudo da
cultura negra quilombada exige técnicas múltiplas, inclusive a comparação com
outras comunidades da América, apresenta uma evidência demográfica interessante
pois os quilombos costumavam aparecer quando a população negra mostrava-se
superior a dos brancos. Na mesma medida, a fuga de homens era mais aberta posto
que exerciam atividades diferentes e de controle mais difícil. O vínculo entre
os jesuítas e os quilombolas é mostrado segundo um pacto que também envolvia
índios. Este ponto aliás é dos mais polêmicos posto que, em regra, a igreja é
vista como aliada do estado. Vale lembrar que no momento focado pela autora, a
Companhia de Jesus estava em questão com o estado.
Sem dúvidas as
relações entre os quilombos e o estado ou a igreja eram complexas e dependiam
de situações muito específicas. O caso do Rio de Janeiro é analisado por Flávio
dos Santos Gomes que parte da inversão historiográfica que insiste em mostrar o
quilombo em oposição a escravidão. A atividade quilombola teria modificado
também a vida dos escravos. Focalizando a baixada Iguaçuana, o autor mostra o
impacto causado pela vinda da família real ao Rio. Depois disto a multiplicação
dos mocambos que, contudo, nesta área, se relacionaram indiretamente com a
população, principalmente através de taberneiros, exercendo um comércio
clandestino. Uma verdadeira teia de relações sociais seria decorrente da fixação
dos quilombos que acabavam por se impor no tecido social.
O sul do
Brasil também passou pela experiência dos quilombos pois teve o negro atuando
em todas as etapas de sua inscrição na história nacional. Aliás, eram eles
mesmos um dos principais produtos contrabandeados em Sacramento. Dada a solução
econômica da região, as charqueadas exigiam grande número de escravos. Como o
pampa é área de esconderijo difícil, as fugas davam-se para a região da serra e
nelas as localizações próximas às cidades. O caso de Pelotas é importante pois
revela a preocupação dos amos com a concentração de negros que eram retidos nas
charqueadas tidas como presídios. O impacto da Revolução Farroupilha, por outro
lado, motivou a multiplicação de mocambos posto que os rebelados soltavam os
escravos para tornarem-se soldados. De qualquer forma, este texto aborda a
questão da especificidade dos quilombos gaúchos mostrando como o isolamento
teria sugerido formas internas de ordenamento social.
Quilombos baianos
Como seria de
se esperar os quilombos baianos se constituem na parte mais forte do livro. Com
textos bem documentados e articulados são eles que deixam de lado o mero sabor
de novidade e retraçam os diálogos historiográficos mais importantes.
O texto de
João José Reis é aberto com a proposta de estudo da relação entre os quilombos
e a sociedade que os cercava. A superação da tradição palmarina é mostra da
oposição simplista do mucambo como espaço isolado do contexto. No jogo de
relações entre os quilombolas e os "cidadãos", a figura do coiteiro
assume papel importante como elemento problemático entre a proteção e a
repressão aos negros. Salvador, como o terminal mais importante do tráfego,
deveria possuir bom aparelho de controle e o teste das relações é medido pelo
autor no exame do quilombo do Oitizeiro, estabelecido às margens do rio das
Contas. Entre os outros redutos, este teve uma expedição organizada para sua
destruição em 1806. Como era comum, índios foram usados nas tropas contra os
negros fugidos e a organização da milícia ganhava foros de empresa. Não faltam
sugestões de corrupção para a façanha de repressão que, contudo, não foi
cabalmente bem sucedida dados avisos prévios. O que marca este estudo é a
originalidade do objeto bem domado pelo analista. Oitizeiro foi um quilombo
especialíssimo possivelmente dirigido por homens livres, com escravos e com
índice de integração no mercado regional. De tal forma a contextualização deste
quilombo era natural que chega-se a perguntar, finalmente, se ele não teria
sido uma fabricação jurídica para impressionar.
Stuart B.
Schwartz depois de caracterizar a resistência negra no Brasil entre as fugas e
as rebeliões urbanas, procura mostrar que estas alternativas não eram opostas
ou independentes. Para tanto, analisa a revolta promovida pelos haussás,
islâmicos, em 1814. A instruída informação das políticas internas da África
ajuda perceber como as disputas religiosas de negros continuaram deste lado do
Atlântico. Da mesma forma, as soluções de organização que resultaram em rebeliões
continuadas num esforço de integração do grupo haussás. O autor discute os
dilemas da negociação cultural feita entre estratos de ethos tribais africanos
e a imposição de padrões culturais portugueses. O canto e os quilombos seriam
os pólos entre a submissão e a resistência. Os conspiradores de 1814, pois são
mostrados como grupo político de oposição dos dominadores e com notável
capacidade de resistência.
O quilombo de
Catucá, de Pernambuco, é o tema de Marcus Joaquim M. de Carvalho que indica a
mudança, no século XIX, da localização dos quilombos da longínquas a floresta
para a proximidade dos engenhos. Prestando, principalmente, atenção no período
situado entre 1817 e 1825 – portanto entre uma fase de rebelião e o esforço da
Confederação do Equador -, localiza neste período a tentativa específica de um
grupo em construir uma sociedade alternativa, onde houvesse liberdade para os
negros. A estratégia de resistência à repressão indica que foi adotada a
prática de quilombos móveis. Um dos pontos mais interessantes desse texto
remete à estruturação interna dos próprios quilombos que, eventualmente,
poderiam estabelecer espécie de sucessões familiares. Buscando entender na
complexa documentação se a figura de Malunguinho se confundia (ou não ) com o
gentílico "malunguinho", ou seja, os quilombolas em geral, o autor
mostra que, este líder passou para a cultura popular como uma espécie de herói.
Os quilombos
maranhenses são focalizado por Matthias Röhrig Assunção que identifica, no
século XIX "uma extraordinária multiplicação de quilombos".
Procedendo uma tipologia dos mucambos, percebe quatro tipos que percorreriam a
trajetória dos quilombos desde a tradição "clássica" até o momento em
que a escravidão já se encontrava em decadência. Salientando que o Maranhão
representava, às vésperas da Independência, a mais alta concentração escrava do
Império (55%), o autor trabalha com a hipótese da persistência de quilombos
endêmicos naquela região. A multiplicação de quilombos, contudo, teria sugerido
a existência de redes. Os "quilombos tardios" teriam tido alterações
no perfil das lideranças e isto sugere uma espécie de perda dos referenciais
africanos e que através de um "sincretismo" teriam sido passados aos
crioulos.
O último
texto, de Eurípedes A. Funes, fecha com chave de ouro a lista destes trabalhos.
Explorando a tradição oral, o autor aborda a questão dos mucambos no baixo
Amazonas. A evocação de Vansina aponta para a linha da reconstituição histórica
através da memória. Caracterizando os quilombos regionais como independentes
não identifica neles, como na grande maioria nacional, uma "economia
parasitária". Mostrando que, como o índio, ao fugir do branco os espaços
de reclusão iam se internando na floresta o autor conclui que a experiência de
organização interna do grupo teria gerado, até hoje, um sentido utópico de
liberdade.
Ao fim da
leitura de tantos textos é de se questionar o saldo. Evidentemente, a riqueza
das experiências e a fertilidade das informações sugerem que novos estudos
devam decorrer desta feliz aventura. Ao lado da sensação de surpresa prezarias,
algumas dúvidas fertilizam a curiosidade dos leitores. Afinal, o juízo sobre a
aventura de busca da liberdade dos quilombolas teria alguma seqüência? Não
havendo unidade de procedimentos em conjunto o que significaria esses
empreendimentos? Quais seriam seus efeitos hoje: negociações, isolacionismos?
Extrapolariam a aventura da fuga e da mera resistência? Cabe por fim perguntar
da lógica do silêncio entre o "esquecimento" deste tema pela nossa
historiografia e a pobreza dos conteúdos presentes nos debates atuais sobre a
chamada questão negra brasileira.
Revista de História - USP
Laura de Mello e Souza apenas repetiu erros grosseiros sobre o Quilombo do Ambrósio e sobre Inácio Correia Pamplona. Devia vir a público admitir os erros e corrigi-los para não continuar a causar danos à História de Minas Gerais.
ResponderExcluir