Pio Penna Filho*
De tanto ver a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) pedir desculpas públicas por “erros” e “enganos” cometidos em sua campanha militar no Afeganistão, ou melhor, contra o Afeganistão, resolvi escrever esse artigo. O primeiro aspecto que chama a atenção é a repetição de tais fatos, que aliás vem de antes, pelo menos desde a época da campanha na Iugoslávia, durante a década de 1990, quando centenas (talvez milhares) viraram alvos dos bombardeios “cirúrgicos” desfechados por sofisticados aviões da coalizão liderada pelos Estados Unidos da América. Agora a história se repete e os comandantes da OTAN não se intimidam: lançam intensos ataques aéreos e atingem a população civil do Afeganistão sem a menor crise de consciência. Mas, como é preciso dar uma explicação para a opinião pública dos países europeus (parece que os norte-americanos não padecem desse tipo de “crise de consciência”), geralmente emitem pedidos de desculpas, embora não se saiba exatamente para quem, se para o público interno da “civilizada” Europa, se para os pobres e “bárbaros” afegãos, que viraram os vilões da vez, tenham ou não tenham ligação com quaisquer grupos ditos “terroristas”.O inimigo está em toda a parte, essa parece ser a doutrina da Organização. E, pelo visto, está mesmo. Muitos afegãos ainda não entendem porque forças estrangeiras insistem em lhes punir por terem optado por um estilo de vida diferente do padrão ocidental. A determinação desse povo é tamanha que, tal qual os vietnamitas durante a Guerra do Vietnã, estão sendo um páreo duro para uma das mais formidáveis máquinas de guerra já criadas.Embora utilizando toda a sofisticação tecnológica disponível para atividades bélicas e tropas bem adestradas, ou seja, profissionais, a OTAN tem avançado muito pouco na guerra contra o Afeganistão. O que os membros da OTAN tem conseguido produzir, de fato, é a instabilidade política permanente do país e a situação de penúria geral de sua população, que não tem perspectiva nenhuma de futuro em termos de curto e médio prazos.Isso nos faz refletir sobre qual é a verdade por trás da intervenção no Afeganistão e por que o OTAN tem sido tão incompetente diante de um inimigo aparentemente desprovido de recursos e de uma clara e racional orientação política. Pelo menos essa é a perspectiva destacada pela imprensa internacional sobre os “bárbaros e atrasados afegãos”. Poucas pessoas se dão ao trabalho de pensar sobre como pode um povo pobre e vivendo um estilo de vida tribal enfrentar uma coalizão internacional que envolve os mais ricos (e belicosos) países do planeta e, mesmo assim, demonstrar um vigor e uma determinação tão impressionantes.Voltando ao ponto de partida: o principal erro da OTAN é querer exercer uma política de tipo imperial para impor a sua vontade sobre um povo que zela pela sua tradição e pelos seus costumes. Os afegãos não são esses “bárbaros terroristas” pintados pela imprensa ocidental. A OTAN erra, portanto, não só quando despeja bombas sobre populações civis indefesas que nem sabem a razão de tamanha ira. Seu erro é de princípio, uma vez que sua missão principal é tentar enquadrar o mundo de acordo com a visão que tem dele os Estados Unidos e seus aliados europeus, como se a vontade dos outros não contasse.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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