sábado, 31 de outubro de 2009

FAZER O RESGATE SOB O SIGNO DO HUMOR: ri-se de quê?

Para Liu, sua missão de resgate vinha sendo cumprida:

Eu era essa bomba que tem que detonar e fazer as pessoas rirem. Faer rir é uma coisa super difícil, contar piada é uma cilada (...) Não basta ser uma boa piada é preciso saber contar. É um ofício doloroso. (Jornal A Gazeta, Caderno VIDA, p. 3E, 1995)
LIU ARRUDA: o falar cuiabano na língua da Comadre Nhara

Nesta esteira de resgate, Liu Arruda empunha a bandeira mais alta e busca escrever, produzir e encenar peças teatrais, criar personagens que falam cuiabanamente.
Semelhantemente, refere-se Gruzinski (2001) a isso como o sintoma de um inquietante conservadorismo, através do qual poetas, escritores, cineastas exploram clichês em que o primitivo e o perene são o desejado.
Foram inúmeras peças. A personagem Comadre Nhara, segundo Liu Arruda, foi totalmente inspirada em uma vizinha, falante do falar cuiabano, que era um mulher irreverente, debochada. Usava vestidos de chita coloridíssimos, usava leques para se abanhar e particularidade eram suas bolsas: sempre do mesmo tecido do vestido. A personagem, por sua vez, era moderna, conhecedora de problemas políticos e sociais que interessam a todas as classes.
Essa criação não se ateve ao teatro. Seu sucesso foi tanto, que foi oferecido a ela um programa de TV – na TV Brasil Oeste – intitulado CARA-A-CARA com a COMADRE NHARA. A um só tempo, Nhara ganhou uma coluna, no Jornal A GAZETA: NHARA COMENTA.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Lições do caipira


Embora desprestigiada pelos professores, que preferem gêneros mais “nobres”, a música caipira/sertaneja oferece ótimo material para o ensino da História

Edilson Aparecido Chaves
Tornou-se comum nas salas de aula a utilização de composições da MPB como fonte de pesquisa histórica ou recurso para o ensino das ciências humanas de maneira geral. Os autores dos manuais didáticos que as selecionam costumam dar mais ênfase, no entanto, às canções produzidas durante os regimes de exceção (Estado Novo e regime militar) e às temáticas extraídas da Bossa Nova, do Tropicalismo, das chamadas “músicas de protesto” e do repertório da Jovem Guarda. O gênero caipira, ou sertanejo, tem sido simplesmente descartado. Não devia ser assim, sobretudo se levadas em conta as preferências populares. A música caipira continua sendo consumida por grande parte das famílias brasileiras, como destacou pesquisa feita pelo programa “Globo Rural” junto à ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos). O segmento caipira/sertanejo representa hoje 15% do mercado brasileiro, perdendo apenas para o gênero pop, em primeiro lugar, e a música romântica, que fica em segundo. Por que não incluí-la então nos manuais didáticos, sobretudo do ensino fundamental e médio, como fonte legítima de estudo e reflexão para os alunos?
As escolhas dos professores podem ser explicadas. O gênero caipira ainda é visto como simplório e desprovido de valor no seu conteúdo, tornando-se, ao longo dos anos, alvo de críticas na verdade bem inconsistentes. Assim, no meio escolar, passou-se a aceitar como fontes de cultura musical apenas aquelas canções privilegiadas pela indústria cultural. O conjunto dos gêneros musicais preferidos dos professores pertence sem dúvida às principais correntes históricas da MPB. Mas isso não devia justificar a ausência das canções caipiras. A exemplo de outras composições, o gênero sertanejo também se insere no contexto brasileiro, abordando temas de contestação ou exaltação de conjunturas políticas, sociais e econômicas bem significativos para o estudo e a compreensão da História.
Por outro lado, muitos dos jovens que lêem os livros didáticos trazem de suas famílias um gosto musical que não exclui a música caipira/sertaneja. Esta, a exemplo de outros gêneros considerados mais “nobres”, deveria ser reconhecida como possuidora de uma estética e uma identidade cultural próprias que, embora poucos levem isso em conta, remontam ao século XVI, quando a ação dos bandeirantes marcou não só um novo ciclo de dominação e descobertas, mas também a formação de uma nova cultura – a caipira. À medida que os bandeirantes avançavam pelo interior do país, ia-se criando uma fronteira entre dois mundos distintos: o “civilizado”, representado pelos descendentes brancos, e o “atrasado”, representado pelos nativos. Para o crítico literário Antonio Candido, foi da mistura desses dois mundos que surgiu o caipira, mescla de branco e índio, somado mais tarde ao sangue do negro.
A partir das primeiras ocupações no interior, outras áreas foram surgindo, como vilas, fazendas e arraiais. As informações não chegavam a esse homem simples, cercado pela miséria que as condições de vida lhe impunham, com a mesma velocidade com que chegavam aos habitantes das metrópoles. O caipira permaneceu, assim, portador de peculiaridades marcantes nos campos da religiosidade, da literatura, da comida, da dança e da música. A música caipira estava sempre associada a rituais religiosos, ao trabalho ou ao lazer, demonstrando dessa forma o universo dos primeiros caipiras, que tinham nesse tripé o elo de sua sociabilidade com o mundo exterior.
Outro aspecto que deve ser enfatizado: o caipira, tradicionalmente, sempre foi estigmatizado com atributos negativos e visto como um homem atrasado, destituído de cultura. Seu primeiro espaço social, o sertão, também era visto pelas elites como um espaço vazio, inculto, terra de variados tipos anti-sociais em que se incluíam criminosos, degredados, e às vezes, nas crendices populares, até lugar da morada do demônio. A cultura caipira foi, portanto, ao longo dos séculos, considerada uma cultura rústica e sem valor social.
Na década de 1920, coincidindo com os ecos da Semana de Arte Moderna, começaram a surgir estudos visando ao resgate dessa cultura, já então merecedora da denominação “popular”. Apareciam as primeiras canções caipiras gravadas em disco, como a célebre “Tristeza do Jeca”, composta por Angelino de Oliveira em 1918 e gravada em 1923. Mas será com o conjunto “Cornélio Pires e sua turma” que esse gênero musical entrará na indústria cultural.
Cornélio passou a se apresentar pelo interior paulista fazendo shows, tendo gravado seu primeiro disco em 1929. Como o gênero ainda era desconhecido, tirou para isso dinheiro do próprio bolso, apostando no sucesso que estava por vir. Essa cultura “rústica” passa aos poucos, então, a ser levada ao público das grandes cidades através dos programas de rádio, influenciando compositores urbanos, como Noel Rosa (“Festa no céu”, “Minha viola”, “Mardade cabocla”) Ary Barroso (“Rancho Fundo”) e Lamartine Babo (“Serra da Boa Esperança”).
Devido ao grande movimento migratório, acentuado no país na década de 1950, muitos homens do campo passam a integrar os segmentos da classe operária, mas sem esquecer o passado, como relata a narrativa desta composição (“Sodade do tempo veio”), assinada por Sorocabinha: “É só eu pegá na viola, me vem a recordação:/ o tempo do meu sitinho,/ que tudo era bom, ai.../ que tudo era bom/ (...) Hoje eu me vejo em São Paulo,/ nessa rica povoação,/ trabaiando de operário/ sendo que já fui patrão, ai.../ sendo que já fui patrão.” Temática semelhante usarão Dino Franco e Nhô Chico em “Caboclo na cidade”: “Seu moço eu já fui roceiro/no triângulo mineiro/ onde eu tinha meu ranchinho (...)/ então aconteceu isso/ resolvi vender o sítio/ e vim morar na cidade/ Nem sei como se deu isso/ Seu moço naquele dia/ eu vendi minha família/ e a minha felicidade.”

Nos dois casos, verifica-se um reajuste da cultura rural frente à urbana no qual a primeira passa obrigatoriamente a aceitar as condições impostas pela segunda. Mas o caipira jamais esqueceria sua origem – e um dos instrumentos utilizados para tal fim foi a música. Este repertório, se analisado com o respeito que merece, situando-o dentro do contexto histórico brasileiro, vai apresentar um caráter narrativo das dificuldades do homem rural na cidade grande e, ao mesmo tempo, a negação dos valores urbanos frente aos do sertão.
Se levadas para as salas de aula, as músicas caipiras – com o professor explorando as representações nelas contidas – poderiam se transformar em material didático de ótima qualidade sobre a realidade vivida pelo migrante em seu novo espaço de vida, a cidade. E não apenas isso. Entre os temas cantados nas modas e músicas caipiras/sertanejas, há também críticas a governantes e apreciações sobre os problemas do cotidiano, como é o caso da “Moda do bonde camarão”, antes denominada “Bonde camarão”, de Mariano da Silva e Cornélio Pires, em que um caipira, ao chegar à cidade de São Paulo, descreve a estranheza que lhe causam os bondes modernos: “Aqui em São Paulo/ o que mais me amola/ é esses bonde/ que nem gaiola./ Cheguei, abriro a portinhola,/ levei um tranco/ e quebrei a viola./ Inda puis dinheiro na caxa de esmola”.


Esta composição revela, num primeiro momento, a recusa do caipira em entender os processos do capitalismo na sua forma mais original, o da exploração, o que se revela no uso da máquina para se locomover e na “caxa” de esmola, que, na verdade, simboliza o lucro da empresa. Outros temas recorrentes são inflação e mudança de governo, como nos indica a letra de “A coisa ficou bonita”, de Tião Carrero e Lourival dos Santos: “Sofria sem esperança/ a população aflita/ A inflação furava o povo/ com sua espada esquisita/ Caiu do céu um governo/ trazendo força infinita/ O preço foi congelado/ quase ninguém acredita (...)/ A coisa que tava feia/ agora ficou bonita./ Presidente e seus ministros/ capricharam na escrita/ Pacotão veio bonito/ vejam só a cor da fita.



”A letra é uma referência ao primeiro governo pós-ditadura militar, para o qual foi eleito Tancredo Neves, que não chegou a assumir. Seu vice, José Sarney (1985-1990), recebeu um país com graves problemas sociais. A “esperança”, portanto, estava no combate à inflação que veio com o Plano Cruzado, cujas medidas de maior destaque estão presentes na letra: congelamento dos preços das mercadorias e reajuste automático dos salários, com o virtual aumento do poder de compra.
Boa parte da História do Brasil, como se vê, aparece nessas composições. O historiador Ubiratan Rocha chama a atenção para a preparação do professor. Segundo ele, arrolar diferentes falas históricas, sem a preocupação com uma teoria que possa ordená-las e dados que possam suplementá-las, pode resultar num relativismo inconseqüente. Para não se tratar simplesmente de memória em vez de História, é preciso que se desenvolva um esforço teórico, contextualizando os vários testemunhos. Diferentes pontos de vista são importantes não para que se possa tomar partido de um ou de outro, mas para se compreender melhor a realidade sob diferentes óticas.
A intenção deve ser sempre a de se superar uma visão simplista, buscando aliar o estudo de documentos históricos às letras de canções que traduzam parte da memória social. Além disso, poderá contribuir para a derrocada de preconceitos que ainda cercam o sertanejo, o caipira e sua produção poética/musical. A música caipira, sem dúvida alguma, no que expressa as angústias do homem do campo frente à realidade urbana, faz parte da nossa memória, embora este acervo valioso tenha sido injustamente menosprezado na sala de aula e subestimado no meio acadêmico.
Edilson Aparecido Chaves é professor de História e mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com a dissertação “A música caipira em aulas de História: questões e possibilidades”, 2006.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

VESTIBULAR SIMULADO 2009 - ENSINO MÉDIO - 2ª SÉRIE - REDE PITÁGORAS


QUESTÃO 01
As artes plásticas, bem como a literatura, carregam as marcas do momento histórico no qual são produzidas. O século XIX foi agitado por fortes mudanças sociais, políticas e culturais causadas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa do final do século XVIII. Sendo assim, a atividade artística tornou-se complexa. Os artistas romanticos procuraram se libertar das convenções acadêmicas em favor da livre expressão da personalidade do artista. Goya, Turner, Constable e Delacroix foram importantes pintores do período.

As telas a seguir, do francês Eugene Delacroix (1798-1863), apresentam as seguintes características gerais: nacionalismo, valorização dos sentimentos e da imaginação, da natureza como princípios da criação artística e dos sentimentos do presente.
A liberdade guiando o povo (1830)




Jovem órfã em um cemitério. (1824)

Leia as telas atentamente. Em seguida, julgue as assertivas que se seguem a elas.

I - A valorização dos sentimentos e da imaginação, bem característica do Romantismo, é explicita no movimento das imagens presentes nas obras de Delacroix.
II - Na sua liberdade guiando o povo, Delacroix pintou um reflexo das lutas politicas que ocorriam em seu redor (embora tenha nascido pouco depois da Revolução Francesa, viveu em uma França bastante turbulenta).
III - A figura do "gênio" romântico, iluminado em sua criação, pode ser traduzida pelas palavras do pintor: "Uma vida inteira não me basta para produzir tudo o que tenho em mente".

Está (ão) correta (s)
a) todas as alternativas.
b) apenas I e II.
c) apenas II e III.
d) apenas I e III.
e) apenas a III.

O NEGRO NA HISTÓRIA DO BRASIL

MÚSICA PARA SE TRABALHAR O TEMA



MILTON NASCIMENTO - MORRO VELHO
Morro Velho
Composição: Milton Nascimento

No sertão da minha terra, fazenda é o camarada que ao chão se deu
Fez a obrigação com força, parece até que tudo aquilo ali é seu
Só poder sentar no morro e ver tudo verdinho, lindo a crescer
Orgulhoso camarada, de viola em vez de enxada
Filho do branco e do preto, correndo pela estrada atrás de passarinho
Pela plantação adentro, crescendo os dois meninos, sempre pequeninos
Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha, dá pro fundo ver
Orgulhoso camarada, conta histórias prá moçada
Filho do senhor vai embora, tempo de estudos na cidade grande
Parte, tem os olhos tristes, deixando o companheiro na estação distante
Não esqueça, amigo, eu vou voltar, some longe o trenzinho ao deus-dará
Quando volta já é outro, trouxe até sinhá mocinha prá apresentar
Linda como a luz da lua que em lugar nenhum rebrilha como lá
Já tem nome de doutor, e agora na fazenda é quem vai mandar
E seu velho camarada, já não brinca, mas trabalha.



GILBETO GIL - A MÃO DA LIMPEZA


A mão da limpeza
Gilberto Gil

Composição: Gilberto Gil

O branco inventou que o negro
Quando não suja na entrada
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Que mentira danada, ê
Na verdade a mão escrava

Passava a vida limpando
O que o branco sujava, êImagina só
O que o branco sujava, êImagina só
O que o negro penava, ê
Mesmo depois de abolida a escravidão

Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza
Negra é a vida consumida ao pé do fogão

Negra é a mão
Nos preparando a mesa
Limpando as manchas do mundo com água e sabão
Negra é a mão
De imaculada nobreza
Na verdade a mão escrava

Passava a vida limpando
O que o branco sujava, êImagina só
O que o branco sujava, êImagina só
Eta branco sujão





CAETANO VELOSO - HAITI


Haiti
Caetano Veloso

Composição: Caetano Veloso e Gilberto Gil

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de paradaE a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui



VILA ISABEL - KIZOMBA


Kizomba, Festa da Raça (1988)
Vila Isabel (RJ)

Composição: Jonas / Rodolpho / Luiz Carlos da Vila

Valeu Zumbi!
O grito forte dos Palmares
Que correu terras, céus e maresInfluenciando a abolição
Zumbi valeu!Hoje a Vila é Kizomba

É batuque, canto e dança
Jongo e maracatu
Vem menininha pra dançar o caxambu (bis)
Ôô, ôô, Nega Mina

Anastácia não se deixou escravizar
Ôô, ôô Clementina
O pagode é o partido popular
sacerdote ergue a taça

Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção
Esta Kizomba é nossa Constituição (bis)
Que magiaReza, ajeum e orixás

Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cinturaFaz valer seus ideais
E a beleza pura dosseus rituais
Vem a Lua de Luanda

Para iluminar a rua (bis)
Nossa cede é nossa sede e que o "apartheid" se destrua



MANGUEIRA - 100 ANOS DE LIBERDADE: REALIDADE OU ILUSÃO

100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão (1988)
Mangueira (RJ)

O negro samba negro joga capoeira
Ele é o rei, na verde e Rosa da Mangueira
O negro samba negro joga capoeira
Ele é o rei, na verde e Rosa da Mangueira, será?
Será que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será, que a lei Áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade, onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu
Moço não se esqueça que o negro
Também construiu, as riquezas do nosso Brasil
Moço não se esqueça que o negro
Também construiu, as riquezas do nosso Brasil, pergunte
Pergunte ao Criador,pergunte ao criador quem pintou estaaquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela,
Pergunte ao Criador, pergunte ao criador quem pintou estaaquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela, sonhei
Sonhei....que Zumbi dos Palmares voltou tristeza do negro acabo
Foi uma nova redenção
Senhor, ai senhor
Eis a luta do bem contra o mal
Que tanto sangue derramou
Contra o preconceito racial
Senhor, ai senhor
Eis a luta do bem contra o mal
Que tanto sangue derramou
Contra o preconceito racial
O negro samba negro joga capoeira



ELIS REGINA - BLACK IS BEAUTIFUL


Black is Beautiful
Elis Regina

Composição: Marcos Valle/Paulo Sergio Valle

Hoje cedo, na rua Do Ouvidor
Quantos brancos horríveis eu vi
Eu quero um homem de cor
Um deus negro do Congo ou daqui
Que se integre no meu sangue europeu
Black is beautiful, black is beautiful

Black beauty so peaceful
I wanna a black I wanna a beautiful
Hoje a noite amante negro eu vou

Vou enfeitar o meu corpo no seu
Eu quero este homem de cor
Um deus negro do congo ou daqui
Que se integre no meu sangue europeu
Black is beautiful, black is beautiful

Black beauty so peaceful
I wanna a black I wanna a beautiful



PAUL McCARTNEY & STEVE WONDER - EBONY AND IVORY

Ebony And Ivory
Stevie Wonder And Paul McCartney (Duet)
Composição: Paul Mccartney & Stevie Wonder

Ebony and ivory live together in perfect harmony
Side by side on my piano keyboard, oh lord, why don't we?
We all know that people are the same wherever we go
There is good and bad in ev'ryone,
We learn to live, we learn to give
Each other what we need to survive together alive.
Ebony and ivory live together in perfect harmony
Side by side on my piano keyboard, oh lord why don't we?
Ebony, ivory living in perfect harmony
Ebony, ivory, ooh
We all know that people are the same wherever we go
There is good and bad in ev'ryone,
We learn to live, we learn to give
Each other what we need to survive together alive.
Ebony and ivory live together in perfect harmony
Side by side on my piano keyboard, oh lord why don't we?
Ebony, ivory living in perfect harmony (repeat and fade)

Ébano e Marfim
Live Together In Perfect Harmony
REFRÃO:
Ébano e Marfim
Vivem juntos em perfeita harmonia,
Lado a lado no teclado do meu piano.
Oh, Senhor, por quê nós não?
Nós todos sabemos que as pessoas são iguais
onde quer que você vá,
Existe o bem e o mal em todos.
Nós aprendemos a viver, aprendemos a dar um ao outro
O que precisamos para sobreviver,
Juntos, vivos.
REFRÃO
Ébano, Marfim, vivendo em perfeita harmonia.
Ébano, Marfim...
Nós todos sabemos que as pessoas são iguais
onde quer que você vá,
Existe o bem e o mal em todos.
Nós aprendemos a viver, aprendemos a dar um ao outro
O que precisamos para sobreviver,
Juntos, vivos.
REFRÃO
Lado a lado no teclado do meu piano.
Oh, Senhor, por quê nós não?
Ébano, Marfim, vivendo em perfeita harmonia,
Ébano, Marfim, vivendo em perfeita harmonia,
Ébano, Marfim, vivendo em perfeita harmonia...





ELIS REGINA - MESTRE SALA DOS MARES

O Mestre-Sala Dos Mares
Elis Regina
Composição: João Bosco/Aldir Blanc

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que, a exemplo do feiticeiro, gritava então
Glória aos piratasÀs mulatas, às sereias
Glória à farofa à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas salve
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo



ZECA PAGODINHO - OGUM

Canto pra Ogum (Part. Jorge Ben Jor)
Zeca Pagodinho
Composição: Claudemir / Marquinho PQD

Eu sou descendente zulu
Sou um soldado de ogum
Um devoto dessa imensa legião de Jorge
Eu sincretizado na fé
Sou carregado de axé
E protegido por um cavaleiro nobre
Sim vou na igreja festejar meu protetor
E agradecer por eu ser mais um vencedorNas lutas nas batalhas
Sim vou no terreiro pra bater o meu tambor
Bato cabeça firmo ponto sim senhor
Eu canto pra Ogum
Ogum
Ogum
Um guerreiro valente que cuida da gente que sofre demais
Ogum
Ele vem de aruanda ele vence demanda de gente que faz
Ogum
Cavaleiro do céu escudeiro fiel mensageiro da paz
Ogum
Ele nunca balança ele pega na lança ele mata o dragão
Ogum
É quem da confiança pra uma criança virar um leão
Ogum
É um mar de esperança que traz abonança pro meu coração
Ogum
Ooogum(Jorge Ben Jor)
Deus adiante paz e guia
Encomendo-me a Deus e a virgem Maria minha mãe ..
Os doze apóstolos meus irmãos
Andarei neste dia nesta noite
Com meu corpo cercado vigiado e protegido
Pelas as armas de são Jorge
São Jorge sentou praça na cavalaria
Eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia
Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem
Tendo mãos não me peguem não me toquem
Tendo olhos não me enxerguem
E nem em pensamento eles possam ter para me fazerem mal
Armas de fogo o meu corpo não alcançará
Facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar
Cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar
Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Jorge é da Capadócia.




JORGE ARAGÃO - IDENTIDADE

Identidade
Jorge Aragão
Composição: Jorge Aragão

Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história
(2x)Se o preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história
(2x)Se o preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memóriaTemos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história




DJAVAN - NKOSI SIKELEL' I-AFRIKA



GABRIEL O PENSADOR - LAVAGEM CEREBRAL

Lavagem Cerebral
Gabriel Pensador
Composição: Gabriel, O Pensador

Racismo preconceito e discriminação em geral
É uma burrice coletiva sem explicação
Afinal que justificativa você me dá para um povo que precisa de união
Mas demonstra claramente
Infelizmente
Preconceitos mil
De naturezas diferentes
Mostrando que essa gente
Essa gente do Brasil é muito burra
E não enxerga um palmo à sua frente
Porque se fosse inteligente esse povo já teria agido de forma mais consciente
Eliminando da mente todo o preconceito
E não agindo com a burrice estampada no peito
A "elite" que devia dar um bom exemplo
É a primeira a demonstrar esse tipo de sentimento
Num complexo de superioridade infantil
Ou justificando um sistema de relação servil
E o povão vai como um bundão na onda do racismo e da discriminação
Não tem a união e não vê a solução da questão
Que por incrível que pareça está em nossas mãos
Só precisamos de uma reformulação geral
Uma espécie de lavagem cerebral
Não seja um imbecil
Não seja um ingnorante
Não se importe com a origem ou a cor do seu semelhante
O quê que importa se ele é nordestino e você não?
O quê que importa se ele é preto e você é branco?
Aliás branco no Brasil é difícil porque no Brasil somos todos mestiços
Se você discorda então olhe pra trás
Olhe a nossa história
Os nossos ancestrais
O Brasil colonial não era igual a Portugal
A raiz do meu país era multirracial
Tinha índio, branco, amarelo, preto
Nascemos da mistura então porque o preconceito?
Barrigas cresceram
O tempo passou...
Nasceram os brasileiros cada um com a sua cor
Uns com a pele clara outros mais escura
Mas todos viemos da mesma mistura
Então presta atenção nessa sua babaquice
Pois como eu já disse racismo é burrice
Dê a ignorância um ponto final:
Faça uma lavagem cerebral
Negro e nordestino constróem seu chão
Trabalhador da construção civil conhecido como peão
No Brasil o mesmo negro que constrói o seu apartamento ou quelava o chão de uma delegacia
É revistado e humilhado por um guarda nojento
que ainda recebe o salário e o pão de cada dia graças ao negro
ao nordestino e a todos nós
Pagamos homens que pensam que ser humilhado não dói
O preconceito é uma coisa sem sentido
Tire a burrice do peito e me dê ouvidos
Me responda se você discriminaria
Um sujeito com a cara do PC Farias
Não você não faria isso não...
Você aprendeu que o preto é ladrão
Muitos negros roubam mas muitos são roubados
E cuidado com esse branco aí parado do seu lado
Porque se ele passa fome
Sabe como é:Ele rouba e mata um homem
Seja você ou seja o Pelé
Você e o Pelé morreriam igual
Então que morra o preconceito e viva a união racial
Quero ver essa musica você aprender e fazer
A lavagem cerebral
O racismo é burrice mas o mais burro não é o racista
É o que pensa que o racismo não existe
O pior cego é o que não quer ver
E o racismo está dentro de você
Porque o racista na verdade é um tremendo babaca
Que assimila os preconceitos porque tem cabeça fraca
E desde sempre não para pra pensar
Nos conceitos que a sociedade insiste em lhe ensinar
E de pai pra filho o racismo passa
Em forma de piadas que teriam bem mais graça
Se não fossem o retrato da nossa ignorância
Transmitindo a discriminação desde a infância
E o que as crianças aprendem brincando
É nada mais nada menos do que a estupidez se propagando
Qualquer tipo de racismo não se justifica
Ninguém explica
Precisamos da lavagem cerebral pra acabar com esse lixo que é uma herança cultural
Todo mundo é racista mas não sabe a razão
Então eu digo meu irmão
Seja do povão ou da "elite"
Não participe
Pois como eu já disse racismo é burrice
Como eu já disse racismo é burrice
E se você é mais um burro
Não me leve a mal
É hora de fazer uma lavagem cerebral
Mas isso é compromisso seu
Eu nem vou me meter
Quem vai lavar a sua mente não sou eu
É você

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Tribunal de Contas Estadual - MT homenageia Liu Arruda com denominação de espaço cultural
O ator mato-grossense Liu Arruda, falecido em 1999, será homenageado pelo Tribunal de Contas de Mato Grosso, através da denominação do espaço cultural a ser inaugurado no próximo dia 5 de novembro. O Espaço Cultural Liu Arruda funcionará no antigo plenário, tendo sido adaptado com acústica, iluminação e equipamentos de áudio e vídeo, com a finalidade de abrigar a realização das mais diversas manifestações artísticas e culturais. A Decisão Administrativa que autoriza a denominação do espaço cultural foi aprovada pelo Tribunal Pleno, durante a sessão ordinária desta terça-feira, 13 de outubro. A proposta foi levada ao Plenário pelo presidente do TCE-MT, conselheiro Antonio Joaquim, que confirmou para o dia 5 a solenidade de inauguração . O homenageado, Liu Arruda, iniciou carreira artística no final da década de 1960. Irreverente e polêmico, o ator alcançou todas as classes sociais, especialmente com personagens debochados como a “Comadre Nhara”. Principal artista matogrossense, o comediante Liu Arruda, além de protagonizar a memorável campanha publicitária do supermercado Trento, também se tornou conhecido por ter interpretado personagens como compadre Juca, Gladstone, Ramona, Creonice e comadre Nhara. No auge do sucesso entre o final da década de 1980 e o começo da década teria recusado um convido para fazer parte do cast da Escolinha do Professor Raimundo. Atuou em parcerias duradoras, como a que fez com o ator Ivan Belém. Essa é uma justa homenagem àquele que foi indubitavelmente o maior humorista matogrossense de todos os tempos. Liu Arruda é a segunda personalidade do segmento cultural a ser homenageado pelo TCE-MT na história recente. O primeiro foi o poeta Silva Freire, que empresta seu nome à biblioteca do Tribunal.
Assista abaixo um grande sucesso do Liu Arruda: "Rapariga da Guarita" do álbum "Ocê qué vê, escuta" gravado na década de 1990 e que fez bastante sucesso em Mato Grosso.

domingo, 25 de outubro de 2009

A Operação Condor e a Europa
por Pio Penna Filho


Com o anúncio de que a justiça italiana está processando vários cidadãos sul-americanos por envolvimento na repressão a militantes de esquerda durante o período das ditaduras militares no Cone Sul, muito se tem dito sobre a chamada Operação Condor, sobretudo porque 13 brasileiros estão sendo processados pela justiça italiana. Mas o que foi, afinal, essa operação? Tratou-se de uma iniciativa chilena para criar um esquema de cooperação entre os serviços de informação das ditaduras militares dos países do Cone Sul (Brasil, Bolívia, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile) que promovesse maior eficiência repressiva para sufocar e/ou eliminar lideranças e militantes que ainda resistiam às ditaduras. A rigor não se pode dizer que tenha ocorrido uma integração dos sistemas de repressão no Cone Sul, embora a tentativa de criação de um sistema integrado tenha existido, mas somente de maneira parcial e só bem depois do Golpe de Estado no Brasil, ocorrido em 1964. A primeira reunião internacional para sua criação ocorreu no Chile, em 1976, e dela participaram representantes do Chile, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Embora os norte-americanos não tenham oficialmente participado, acompanharam de perto as decisões tomadas na reunião e sabiam exatamente o que estava acontecendo. Muito tem sido dito no Brasil sobre a Condor e a imprensa brasileira chegou a publicar várias matérias sobre o assunto, de certa maneira vinculado o nosso país como integrante importante da Operação. Contudo, aqui defendo a tese de que essa Operação não interessava efetivamente ao governo brasileiro, à época dirigido pelo presidente Ernesto Geisel. O Brasil preferiu não se envolver tão diretamente e não se comprometer tanto com o esquema vislumbrado pelos chilenos. E por quê o regime militar brasileiro não se interessou tanto pela Condor? Ora, em 1976, os focos de resistência ao regime no Brasil já haviam sido virtualmente eliminados, restando muito pouca capacidade para a atuação dos grupos de esquerda remanescentes no país. Já no contexto regional, o fim das democracias no Uruguai, no Chile e, finalmente na Argentina, fechou o cerco ao amplo movimento de exilados entre as fronteiras desses países. Vale lembrar que o Paraguai e a Bolívia já viviam sob regimes militares. A essa altura, os brasileiros que haviam originalmente buscado refúgio na área do Cone Sul se viram impedidos de continuar na região, sobretudo pela ferocidade dos regimes chileno e argentino, que foram implacáveis com qualquer tipo de pensamento de esquerda. Era necessário e urgente buscar refúgio em outras partes, seja na Europa, América do Norte ou África, muito longe, portanto, das fronteiras nacionais e do alcance das garras do Condor. O que causa espanto é a idéia dos europeus e, nesse caso específico, dos italianos, de se acharem no direito de julgar crimes cometidos num contexto histórico e regional totalmente alheio a eles. Os países europeus foram os países mais criminosos do mundo ao longo dos séculos XIX e XX e muito pouco foi feito em termos de justiça para julgar, condenar e punir os seus crimes, como se verá. A Operação Condor continua em evidência nos principais jornais do país e provavelmente continuará por um bom tempo, à medida que mais fatos forem surgindo. É importante frisar que a participação do Brasil nessa Operação foi limitada e que não interessava tanto ao regime militar brasileiro cooperar nesse tipo de assunto com outros regimes do Cone Sul. Pelo menos não de uma forma institucional. E também é bom lembrar que havia interesses muito divergentes e rivalidades entre esses regimes. Pelo simples fato de serem regimes militares não podemos colocar todos num mesmo patamar. Mas há um aspecto que deve ser questionado e que afinal foi o que colocou a Operação Condor em evidência novamente. Refiro-me diretamente ao fato dos europeus se acharem no direito de exercer a “justiça” em qualquer parte do mundo, como se fossem os guardiões, os paladinos da moralidade planetária. Ora, qualquer estudante ou observador da História mundial há de verificar que a maior parte do sofrimento humano ocorrido pelo menos nos dois últimos séculos provém exatamente da “civilizada” Europa, isso para não voltarmos mais no tempo. Vamos citar apenas alguns poucos exemplos: a escravidão negra foi instituição tipicamente européia (os europeus foram os responsáveis diretos pela invenção da escravidão baseada na cor da pele, uma novidade em termos históricos). Mas a escravidão foi pouco. Junto ocorreu praticamente o extermínio e a desenfreada exploração dos povos originários das Américas e depois veio o sistema colonial com toda a sua brutalidade e bestialidade, tanto no continente asiático quanto no africano. Para irmos um pouco mais além, o século XX assistiu a dois conflitos globais originários de idéias e práticas políticas genuinamente européias. E, para quem não sabe, a Europa pariu o fascismo e sua variante nazista, infelizmente ainda hoje presentes em muitos países do mundo, sobretudo na própria moderna e civilizada Europa. Mas vamos avançar ainda mais, com mais exemplos. A Espanha, sob o governo do generalíssimo Franco, protagonizou um brutal regime de exceção que não ousou um minuto sequer em pactuar com a Alemanha nazista. Portugal, com a ditadura de Salazar, fez o inimaginável com a oposição interna e, principalmente, com as “pessoas” (é bom lembrar que até bem pouco tempo atrás os europeus não consideravam os negros exatamente como pessoas) que lutavam contra o ultracolonialismo na África. A Inglaterra, por sua vez, na década de 1970 (portanto, concomitante com os regimes militares latino-americanos) usou seus pára-quedistas para executar manifestantes irlandeses contrários à dominação britânica da Irlanda do Norte (episódio conhecido como “Domingo Sangrento”). E o que dizer do racismo explícito dos povos europeus contra negros, latinos e asiáticos? Acaso não constituem crimes contra a humanidade, de acordo com determinação das Nações Unidas? E ninguém fala disso. Mais um exemplo apenas: o regime “democrático” da “civilizada” e “ilustrada” França ajudou no genocídio em Ruanda (ocorrido outro dia, em 1994) e pelo que consta nenhum sábio juiz europeu abriu qualquer processo contra os bravos militares ou ilustres políticos franceses! Pois esses são os senhores do mundo que se acham no direito de pedir a extradição de latino-americanos! O que se passou aqui deve ser acertado aqui. Os crimes cometidos durante as ditaduras latino-americanas são responsabilidade nossa, e não dos europeus. Não somos idiotas e nem aceitamos ser tratados como incapazes. Os europeus deveriam cuidar da sua casa e da sua História, afinal há um verdadeiro acumulado histórico de violência e desrespeito aos mais elementares direitos humanos que nunca foi devidamente esclarecido.




Herói dos quadrinhos, Asterix completa 50 anos
Foto: Divulgação

Há 50 anos nascia Asterix, um herói baixinho e com um grande bigode que resistia às investidas do Império Romano contra a Gália por meio de uma poção mágica.Criado pelos amigos Albert Uderzo e René Goscinny, Asterix apareceu pela primeira vez em uma história em quadrinhos na revista francesa Pilote, em 29 de outubro de 1959. Cinquenta anos depois, o herói continua firme em sua luta contra os romanos junto com o amigo Obelix. Nos últimos 30 anos, no entanto, suas aventuras são criação exclusiva de Uderzo, já que Goscinny, que originalmente escrevia as histórias, morreu em 1977. Para comemorar os 50 anos do personagem, foi lançada na França uma revista inédita do herói. Para muitos fãs, a dupla de gauleses simboliza em muitos aspectos o espírito francês.
(Folha online)

sábado, 24 de outubro de 2009

A pornochanchada toma viagra
Por Ricardo Calil

Se o cinema brasileiro dos anos 70 fosse transformado em filme de ficção, a pornochanchada faria o papel do amante cafajeste, o público seria a boazuda insaciável e o cinema oficial da Embrafilme representaria o marido traído. No clímax desse filme imaginário, o marido chegaria em casa no momento em que a mulher se entrega ao amante e este corre para se esconder no armário. Desconfiado, o corno trancaria o armário e jogaria a chave fora.
A pornochanchada ficou escondida durante anos no armário da história oficial do cinema brasileiro, mas agora dá sinais de uma volta em grande estilo. O gênero inspirou documentários sobre suas atrizes e produtores, virou tema de mostras em museus e cinematecas, de teses de doutorado e até de um disco – além de manter uma sessão de sucesso no Canal Brasil.
“A pornochanchada foi uma carnificina celulóidica”, define Carlo Mossy, galã e produtor de boa parte dos filmes do ciclo que dominou as telas dos cinemas brasileiros nos anos de chumbo da ditadura militar. “Foi uma grande sacanagem”, endossa o jornalista Xico Sá, conhecedor do gênero.
Dar papel de destaque à pornochanchada na história do cinema brasileiro é uma questão de justiça. Durante os anos 70 e começo dos 80 foram produzidos mais de 600 filmes do gênero. Alguns deles figuram entre as maiores bilheterias do cinema nacional. “Os mansos” teve 2,8 milhões de espectadores, “A viúva virgem” atraiu 2,5 milhões de pessoas e “Como era boa a nossa empregada” arrebatou outras 2,04 milhões.
cartazes de filmes do gênero, feitos com dezenhos de Ziraldo.

A lista de sucessos é grande: “Toda donzela tem um pai que é uma fera”, “Os paqueras”, “Ainda agarro essa vizinha”, “O bem dotado, o homem de Itu”, “Mulher objeto”, “Histórias que nossas babás não contavam” e “Os bons tempos voltaram – Vamos gozar outra vez.”
Adele Fátima em Histórias que as nossas babas não contavam

Apesar da qualidade técnica e artística sofrível, do humor rasteiro e da visão conservadora da sexualidade encontrados na maioria das pornochanchadas, havia também alguns filmes de bom nível – incluindo até exemplares com discussões políticas e existenciais pertinentes, feitas por diretores como Carlos Reichenbach e Jean Garrett.
A definição de “pornochanchada”, termo pejorativo adotado pela crítica, não é simples. A princípio, ele se refere a comédias eróticas de baixo orçamento, que beberam na fonte do cinema italiano e da chanchada brasileira. Mas há quem defenda a tese de que filmes como “Dona Flor e seus dois maridos” e “A dama do lotação”, os dois maiores sucessos da história do cinema brasileiro, não passam de pornochanchadas com verniz literário. Ou ainda que os dramas eróticos de cineastas como Walter Hugo Khoury e Arnaldo Jabor também integram o gênero.
A maioria das pornochanchadas foi produzida na chamada Boca do Lixo, no centro de São Paulo, ou no Beco da Fome, na Cinelândia do Rio de Janeiro. Os filmes de cada cidade eram bem diferentes: grosso modo, a pornochanchada carioca era mais light e cômica; a paulista, mais pesada e cabeça.

Fábrica de símbolos sexuais
Ricardo Calil Nathaniel prepara um documentário sobre as “musas”: discriminaçãoO ciclo da pornochanchada foi um raro exemplo de sucesso no cinema brasileiro que não dependeu da ajuda do Estado. Como disse a atriz Aldine Muller, numa frase já clássica: “Os intelectuais esgotaram o Cinema Novo, mas logo o pornô fez o cinema se levantar.”
A pornochanchada deu emprego a pessoas que mais tarde se destacariam como cineastas ou autores de novela (Guilherme de Almeida Prado, Antonio Calmon, Sílvio de Abreu), bons atores (Antônio Fagundes, Ney Latorraca, Nuno Leal Maia) e centenas de técnicos.
E, claro, foi uma verdadeira fábrica de símbolos sexuais nos anos 70. Passaram pela pornochanchada atrizes como Vera Fischer, Adriana Prieto, Helena Ramos, Aldine Müller, Sandra Barsotti, Rossana Ghessa, Nicole Puzzi, Kate Lyra e Adele Fátima.

Vera Fisher.
As musas do gênero serão tema de um documentário dirigido por Nathaniel Leclery e roteirizado por Guilherme Coelho, parceiros do premiado “Fala tu”. Eles pretendem mostrar as histórias pessoais de algumas dessas mulheres, da infância ao presente. Entre elas há hoje donas de casa, evangélicas, vendedoras, produtoras teatrais. Uma minoria continua trabalhando como atriz. Helena Ramos.

A dupla pensou primeiro em fazer um documentário mais amplo sobre a pornochanchada. Um comentário de Eduardo Coutinho fez com que decidissem limitar o foco. “A pornochanchada não existiria sem as mulheres”, disse o diretor de “Cabra marcado para morrer” e “Edifício Master”.
Leclery e Coelho já estão sentindo alguns dos preconceitos que costumam rondar a pornochanchada. Ao procurar patrocínio, perceberam que algumas empresas não gostariam de se associar a um filme sobre o gênero. Por conta disso, decidiram tirar a palavra “pornochanchada” do nome do documentário e adotar o título provisório de “Os fabulosos anos do cinema brasileiro”. Ainda não levantaram patrocínio, mas acreditam que conseguirão filmar até o final do ano.
Leclery afirma que as atrizes da pornochanchada são o alvo preferencial da discriminação. “Há trinta anos elas são vistas como devassas. Essas atrizes ajudaram a cristalizar a imagem do que é a brasileira e sofreram muito com isso. Todas foram receptivas à idéia do documentário, mas apareceram armadas para o primeiro encontro.”
Uma das grandes musas do ciclo, Sandra Barsotti, confirma o cuidado. “As atrizes da pornochanchada eram vistas como profissionais do sexo, como verdadeiras piranhas. As pessoas mexiam com meu ex-marido, com meu irmão”, conta Sandra, que foi uma das poucas atrizes do gênero que ainda conseguiu realizar uma carreira bem-sucedida na televisão e no teatro.
Entrar no universo da pornochanchada foi para Sandra uma forma de romper certas barreiras pessoais. “Eu era a menina certinha do Leblon, a primeira da turma. As pessoas pensam que rolava a maior sacanagem no set, mas era tudo muito profissional”, diz. “A pornochanchada carioca era ingênua como uma fotonovela. Os filmes eram assanhados, mas não de baixo nível.”

A redescoberta do gênero

Além do documentário sobre as atrizes, em fase de captação, o gênero aparece como destaque em outro filme já finalizado: “O Galante rei da Boca”, de Luís Alberto Rocha Melo e Alessandro Gama. Exibido com sucesso em festivais de cinema no ano passado, o documentário mostra a trajetória do produtor Antonio Polo Galante, considerado o rei da Boca do Lixo. Ele produziu desde títulos como “Presídio de mulheres violentadas” até clássicos dos diretores Walter Hugo Khoury, Rogério Sganzerla e Carlos Reichenbach.
Luís Alberto Rocha Melo explica que o documentário não é especificamente sobre a pornochanchada, mas sobre os mecanismos de produção de um cinema popular. Ele detalha o modelo praticado por Galante: “Os exibidores adiantavam metade do orçamento. Com esse dinheiro, ele rodava o filme. Com a bilheteria, fazia outro filme e pagava as dívidas depois.”
Ele ensina que o título da pornochanchada era fundamental para atrair o público. “Galante fazia filmes a toque de caixa com títulos como ‘A filha de Emanuelle’ ou a ‘A filha de Calígula’, para aproveitar a publicidade em torno de produções estrangeiras que eram proibidas pela censura”, conta Luís Alberto Rocha Melo. “Naquela época havia um público flutuante que entrava no cinema de rua por causa do cartaz. Isso não existe mais.”
Alessandro Gama acha que esse não foi o único elemento que deixou de existir no cinema brasileiro. “Hoje se fala muito em cinema independente, em filme de baixo orçamento, em diversidade de produção. Mas quem realmente praticava isso era o Galante e ao outros produtores da Boca do Lixo, que faziam um cinema independente do Estado.”
“O cinema popular brasileiro está sendo redescoberto por uma nova geração. Existe uma história contada e outra não contada no cinema brasileiro. A pornochanchada está nessa segunda categoria. É preciso lembrar que o cinema nacional não é só Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Ele é feito também por produtores como o Galante e diretores como Osvaldo de Oliveira”, afirma Luís Alberto Rocha Melo. “A discussão não pode ser estética, nem ideológica. Não dá para dizer que os filmes populares eram melhores que os do Cinema Novo. A discussão tem que ser histórica e política. É preciso afirmar uma história que foi negada.”
O processo de afirmação dessa história negada começa a dar seus primeiros passos. A pornochanchada aos poucos vai abrindo a porta do armário para ocupar espaços nobres do cinema e da academia. Em junho passado, Galante foi tema de uma retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, com curadoria de Eugênio Pupo. Em dezembro, a Cinemateca Brasileira, também na capital paulista, foi palco da mostra “Cinema Brasileiro, a vergonha de uma nação”. Organizada por Remier Lion, ela reuniu diversos filmes populares, incluindo algumas pornochanchadas.
Não ficou nisso. A pornochanchada também se tornou tema de teses de mestrado e doutorado. “Boca do Lixo – Cinema e classes populares”, de Nuno César Abreu, da Unicamp, e “O Brasil é feito de pornôs: o ciclo da pornochanchada no país dos governos militares”, de Flávia Seligman, da USP, despejaram um olhar acadêmico sobre o gênero.
Vítima da abertura política
Para Hernani Heffner, conservador e pesquisador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio (MAM), essas mostras e teses são sintomas claros da aceitação da pornochanchada por um público culto. “Há várias razões para a sobrevida do gênero. Em primeiro lugar, existe a questão do erotismo, que hoje pode ser considerado quase casto”, afirma. “A pornochanchada não é só peito e bunda. Há também um olhar sobre o espírito daquele tempo. O gênero reflete um quadro mais amplo de liberação dos costumes. Boa parte dos filmes mostra o choque entre a visão mais conservadora dos adultos e a visão mais libertária dos jovens.”
Hernani Heffner também aponta os motivos que levaram à decadência da pornochanchada a partir do final dos anos 70. “Com a abertura política, prevaleceu a idéia de que o cinema precisava endireitar o país. Era necessário fazer filmes mais sérios, mais engajados socialmente. Além disso, houve a ascensão do vídeo de sexo explícito e a explosão dos blockbusters americanos, como ‘Guerra nas Estrelas’.”
A sensualidade ingênua da pornochanchada, de acordo com o pesquisador, foi importante para a iniciação sexual de muitos jovens brasileiros. Essa tese é confirmada pelo caso do músico Alexandre Caparroz, conhecido como Che. “’A Sala Especial’, clássica sessão de pornochanchadas da TV Record nos anos 80, foi importante para minha educação sexual. Foi a época da tendinite plena”, diz Che, numa referência explícita aos efeitos colaterais provocados por hábitos onanistas. “Ver a Helena Ramos tirar a roupa era algo impactante.”
A memória afetiva daquele tempo foi tão marcante que Che (ex-Professor Antena) decidiu fazer um disco em homenagem à pornochanchada: “Sexy 70 – Music Inspired by the Brazilian Sacanagem Movies of the 1970’s”. Primeiro, ele pensou em compilar temas das trilhas do gênero, feitas por músicos como Erlon Chaves, Túlio Mourão, Paulo Moura e John Neschling, hoje maestro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Mas, depois de ver mais de sessenta produções durante a pesquisa, decidiu compor novas músicas inspiradas pelos velhos filmes.
O resultado, acredita, fica próximo ao easy listening ou ao muzak, baseado em instrumentos como vibrafone, xilofone e piano elétrico e influenciado por trilhas de italianos como Henry Mancini e Ennio Morricone, mas com um molho latino. Depois de esgotar a primeira tiragem de três mil CDs, Che já programa shows para São Paulo a partir de março em que pretende exibir em telões ao lado do palco trechos dos filmes que o inspiraram.
Chanchadeiros viscerais
Não dá para falar em revival da pornochanchada sem citar o Canal Brasil. A sessão “Como era Gostoso o Nosso Cinema” é tão importante para o público televisivo de hoje quanto a “Sala Especial” foi para a geração 80. Há três anos essa faixa de horário dedicado aos filmes eróticos nacionais se mantém entre as maiores audiências do canal de tevê paga.
O diretor Paulo Mendonça afirma que “Como Era Gostoso o Nosso Cinema” foi importante até mesmo para a sobrevivência do Canal Brasil. “Em 2003, quando pensamos em fechar, essa faixa foi fundamental para mostrar que o canal tinha potencial de público.” A pedido dos assinantes, este ano o horário de exibição dos filmes passou da 1h da madrugada para a meia-noite. Vinte novas pornochanchadas, vindas dos acervos de David Cardoso, Cláudio Cunha e Antonio Polo Galante entraram na programação.
“O sucesso das pornochanchadas hoje, em meio à enorme oferta de sexo em outros canais, nas locadoras e na Internet, tem uma explicação simples: a coisa intuída é mais saborosa. Há um desgaste das situações mais explícitas”, diz Paulo Mendonça. Ele conta que a maior parte do público de “Como era Gostoso o Nosso Cinema” tem mais de 45 anos e pertence às faixas A e B.
O Canal Brasil foi responsável pela ressurreição de algumas carreiras, entre elas a do galã Carlo Mossy. Ao lado de David Cardoso, ele foi um dos principais atores-diretores-produtores de pornochanchadas dos anos 70. Depois que voltou a aparecer, agora na televisão, Mossy já foi convidado para papéis importantes no filme “O homem do ano”, de José Henrique Fonseca, e na série “Carandiru”, que Hector Babenco roda para a Globo. Mossy está dirigindo um programa sobre Carlos Imperial, a quem define como “o primeiro homem multimídia do Brasil”, e que também foi astro de pornochanchadas, para a série “Retratos Brasileiros”, do Canal Brasil.
Mossy aproveita o embalo e não pára por aí. Quer dirigir este ano o longa “Relações perversas”, baseado no conto “Uns braços”, de Machado de Assis. “Eu costumo dizer que escrevi esse roteiro a quatro mãos com Machado. Por isso, quero fazer uma leitura na Academia Brasileira de Letras.”
Não é exagero. Mossy também está captando dinheiro para realizar a série “Contos Eróticos na Madrugada” para o Canal Brasil. Serão treze episódios de “neopornochanchadas” com sexo explícito, dirigidos e apresentados por ele no estilo de Jack Palance em “Acredite se Quiser”. O ex-galã tem certeza de que será um sucesso. “Aqui no Brasil tudo é chanchada: o governo, a televisão, a política cinematográfica”, diz. “O brasileiro é um chanchadeiro visceral.”
PORNOCHANCHADA
Por Marcel de Almeida Freitas
Introdução
A memória nacional que, nos âmbitos político, econômico ou social, é tão precariamente conservada, nos ramos artístico e cultural pode encontrar no cinema alguma possibilidade de recuperação. A pesquisa histórica em geral enfrenta o problema da falta de documentação, mas não só este: também os juízos de valores dos estudiosos, intelectuais e dos profissionais da mídia contribuem para que alguns 'acontecimentos' artístico-culturais permaneçam por 'baixo do tapete'. Entretanto, a neutralidade deve ser procurada ao máximo (mesmo sabendo que a neutralidade absoluta em qualquer campo de conhecimento é impossível), o que poderia propiciar que a História se voltasse para a criação artística em geral não somente como o entretenimento que fundamentalmente é, mas como mecanismo de resgate do passado, trazendo à luz elementos auxiliares à compreensão da vida brasileira. Desta forma, através da preservação da produção artística brasileira temos mais meios de, compreendendo as épocas anteriores, entender todo o processo que culminou nas produções artísticas e culturais do presente. A imagem, nesta busca, tem a possibilidade de se tornar documento de determinado período histórico e objeto de estudo deste período e, assim sendo, o cinema pode ser usado para que possamos contextualizar determinada etapa da história nacional, esclarecendo a respeito dos modos de pensar, amar, sofrer, trabalhar, vestir, enfim dos modos de vida daquela época. Desta maneira, o processo dinâmico de conhecimento através da imagem (como também do som) pode servir como mais um, entre tantos, materiais da pesquisa sócio-historiográfica. Logo, o argumento deste artigo é que não somente as produções cinematográficas didáticas e prestigiadas podem contribuir para se pensar e localizar o passado do Brasil, mas também aquelas produções estigmatizadas pela elite intelectual e midiática. Isto porque, independentemente do 'nível' da produção ou da qualidade geral, os filmes feitos em série, com baixo orçamento e com atores/atrizes quase amadores e que receberam o rótulo de 'pornochanchadas' podem ser tão esclarecedores quanto as obras "Anchieta José do Brasil", "Gaijin" ou "Anos JK". Não se discute aqui a qualidade ou a moralidade desta ou daquela produção: se eram mal-acabados, alienados/alienantes, infames ou escatológicos. Isso cabe a profissionais da área de Comunicação e/ou Belas-Artes avaliar (o que é diferente de julgar). Este texto é uma visão sócio-histórica daquelas produções que dominaram as salas de cinema nacional especialmente na década de 1970 e na primeira metade da década de 1980. Até mesmo o machismo, o racismo e outros 'ismos' de que são acusadas tais fitas (geralmente com razão) são indícios históricos para se refletir a mentalidade coletiva da época. O cinema da Boca-do-Lixo é geralmente tratado com ironia nas raras menções da cinematografia brasileira, apesar de sua importância no mercado dos anos 1970 e início da década de 80. Daí, o cuidado do professor e cineasta Nuno ABREU (2000) em se despir de preconceitos e lançar 'um olhar benevolente' sobre aquela comunidade peculiar de diretores, produtores, atores e técnicos que agitou a zona do baixo meretrício em São Paulo. Sua pesquisa tem como matéria-prima entrevistas com quinze personagens da época (incluindo uma atriz, Matilde Mastrangi). Por conseguinte, a partir deste e de outros trabalhos, será exposto neste texto alguns aportes sócio-psíquico-culturais deste fenômeno tão complexo denominado Pornochanchada, herdeira, em certo sentido, das chanchadas da Atlântida. A chanchada foi um estilo bem comum no cinema brasileiro, tendo sido a mescla de vários estilos de comédia com um toque de picardia, ingênua para os padrões de hoje. Desde a Grécia Clássica, onde Aristóteles já a abordara em sua "Poética", a comédia tem adquirido variados sub-gêneros. Daqueles primórdios imemoriais, em que se contrapunha à tragédia (a primeira se dedicava aos homens piores que a média e esta última aos homens melhores que a média), grandes personagens da vida artística a ela se dedicaram. Aristófanes e Menandro na Grécia, Plauto e Terêncio em Roma, centenas de autores renascentistas da "Comedia dell'Arte" italiana, Lopez de Vega na Espanha, Gil Vicente em Portugal, até sua maturidade nas mãos de Shakespeare, Moliére entre outros. Todos estes filões da comédia foram para o cinema, no qual a forma mais conhecida e divulgada de comédia é o 'pastelão' nonsense.
Pornochanchada
Tendo como temas recorrentes a malandragem, o adultério, o travestismo, a homossexualidade (entendida como o papel passivo), o tráfico de drogas, a bissexualidade feminina e se valendo de uma linguagem que, do besteirol, passando pela brejeirice (1a fase) ia até a picardia (2a fase), nascia, no final da década de 1960, o cinema pré-erótico nacional, que se convencionou denominar 'Pornochanchada', herdeira direta das chanchadas dos anos 1950 e da repressão instituída pelo AI-5 (em 1968). Simultaneamente existia o cinema intelectualista/de protesto/'arte', gerado pelo Cinema Novo, produzindo filmes como "O Amuleto de Ogum" (de Nélson Pereira dos Santos - 1974), "Xica da Silva" (de Carlos Diégues - 1976) e "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (de Bruno Barreto - 1976). Rotulada como despolitizadora, o meio acadêmico em geral sustenta que este gênero foi incentivado pelo governo, tendo recebido subvenção da Embrafilme, porque desviava a atenção da sociedade dos desmandos e das perseguições políticas mostrados pelos grandes diretores do 'autêntico' cinema brasileiro. Por outro lado, a Pornochanchada também refletiu o estouro sexual que a década de 1970 presenciou, sofrendo o impacto, entre outras coisas, da pílula anticoncepcional e do movimento feminista. Grande parte dos espectadores era constituída por homens, das mais diferentes idades, raças e origens. No que concerne à classe, predominavam as classes D e C, mas não eram raros médicos, advogados ou, no outro extremo, até mendigos, irem às salas das regiões centrais das grandes capitais brasileiras (em Belo Horizonte eram exibidos nos cines Los Angeles, Marabá e Regina, entre outros). O efeito psicológico da Pornochanchada era atingir diretamente as fantasias e despertar os mecanismos projetivos dos espectadores. As mulheres extremamente maquiadas e 'liberadas' mexiam diretamente com o sonho erótico do homem médio brasileiro. Havia também um segundo processo psíquico, ou seja, levava a uma identificação direta daquele indivíduo submisso, pobre e sem perspectivas com os galãs - grande parte canastrões e carregados no gestual - valentes, audazes e sexualmente predadores. No que respeita à comédia, na Pornochanchada o homem médio ria de situações com as quais já vivera ou presenciara diretamente: um marido traído, um conquistador piegas, uma mulher atirada, um rapaz que fica impotente no momento da relação, uma aventura homossexual esporádica. Quanto a este último item, é importante um adendo: diferentemente dos filmes pornográficos de hoje em dia, onde muito raramente há alguma cena homossexual em sinopses basicamente heterossexuais, nos filmes da Pornochanchada e mesmo nos filmes eróticos da década de 80, a presença de relações sexuais entre homens e entre homens e travestis (geralmente passivos) era tão constante quanto a bissexualidade feminina, que permaneceu nos filmes heterossexuais da atualidade. Em síntese, a pornochanchada, além de mais realista em se tratando da fauna sexual do mundo concreto, não era hipócrita negando o trânsito dos homens pela sexualidade com outros homens, como se isso fosse uma coisa muito rara e específica. Portanto, conforme David Cardoso em entrevista para a revista "Playboy", "(...) o homossexual é uma figura imprescindível em toda pornochanchada". O chamado Cinema Novo se contrapunha diretamente à Pornochanchada. Aquele foi um movimento de renovação do cinema brasileiro, surgido logo após a falência da Vera Cruz, revitalizando a filmografia nacional nos seus aspectos econômicos, estéticos e políticos. As produções precursoras, "Rio 40 Graus" (de Nélson Pereira dos Santos - 1955) e "Rio Zona Norte" (idem - 1957) surgiram como crítica à atribuída falta de compromisso social da chanchada, que era até então o gênero dominante. Entretanto, somente se tornou movimento cultural organizado a partir dos primeiros filmes de Glauber Rocha: "Barravento" (1964) e "Deus e O Diabo na Terra do Sol" (1965). Este último também lançou as bases teóricas destas tendências no seu livro "Revisão Crítica do Cinema Brasileiro" (1963). Em sua fase mais produtiva (até 1969) o Cinema Novo revelou importantes diretores que fizeram obras consagradas pela crítica: Ruy Guerra ("Os Fuzis", 1964), Carlos Diégues ("A Grande Cidade", 1966), entre outros. Foi um estilo cinematográfico que se caracterizou por produzir filmes realistas, geralmente de produção modesta, com alta produção estética sem cair no exagero que caracterizara a chanchada. Isso fez com que várias produções vencessem diversos prêmios internacionais. As temáticas, quer fossem na zona rural ou urbana, buscavam abordar de maneira questionadora os problemas sociais da chamada 'realidade brasileira'. No final dos anos 60, desencadeada pela perseguição da ditadura militar, o Cinema Novo entrou em crise. Outro fato que o fez cair em relativa decadência foi a extrema industrialização da produção artística, almejando conquistar mais público (SELIGMAN, 2000).
Há algumas controvérsias para definir o grupo de cineastas que freqüentava a Boca-do-Lixo no final da década de 1960 e começo da década de 1970. Alguns os definem como cineastas marginais, no sentido literal da palavra 'margem', isto é, cineastas que atuavam na periferia do sistema (Embrafilme/Cinema Novo etc.) e tinham como temáticas principais o submundo urbano, os excluídos, os renegados pela sociedade. Não possuíam muitos recursos para filmar, logo, haviam que improvisar, tentando sanar as deficiências técnicas com criatividade. Segundo o cineasta João Callegaro, "o cinema da Boca-do-Lixo é um cinema cafajeste" (SUGIMOTO, 2002:3), que aproveitou 50 anos de cinema americano e não se perdeu nas elucubrações intelectualizantes do Cinema Novo. Os filmes da Boca-do-Lixo podiam ser feitos com negativos riscados, fotografia suja, erros de continuidade, trafegavam na precariedade. Havia certa atração pelo abjeto, pela avacalhação. A primeira vez que foi citado o termo 'Cinema da Boca' foi na revista Manchete, que definia este movimento como sendo 'cafona tropicalismo brasileiro' (SUGIMOTO, 2002). Certa feita, Carlos Reichenbach disse: "na impossibilidade de fazer o melhor, devemos fazer o pior" (SUGIMOTO, 2002:4). Estava querendo mostrar que não havia recursos para grandes produções, e quando fala do pior não se refere a obras ocas, mas a filmes transgressores que rompessem a divisão clássica entre obras de bom gosto e de mau gosto. Carlos Reichenbach nasceu em 1945 em Porto Alegre. Ao se mudar para São Paulo estudou na Escola Superior de Cinema São Luiz, onde grande parte dos outros diretores da Boca foi professor e/ou aluno (outro motivo porque eram marginalizados: grande parte não havia passado pelas cátedras da USP). Foi um dos principais diretos da 'Boca-do-Lixo'. Também era o fotógrafo de seus próprios filmes. A pecha, um tanto equivocada, de ser um 'cinema alienado', parece provir de uma intelligentsia alarmada com sua origem social: vindo de uma família pobre e tendo trabalhado anos como caminhoneiro, nada mais longe do arquétipo do intelectual de classe média do que o diretor Ozualdo Candeias, por exemplo, assim como o ex-produtor rural David Cardoso. A origem social, menos que empecilho (a pobreza, pensariam alguns, como sinônimo de ignorância), parece ser fonte de parte de sua originalidade. Candeias é um caso único no cinema brasileiro não apenas porque se ocupa em tentar registrar a margem da margem da sociedade: tantos outros diretores tentaram o mesmo, quase sempre de maneira paternalista. Há em suas imagens algo de muito particular, uma qualidade diferencial que de certa maneira só poderia emanar de um artista formado pela vida. Nesse sentido, faz um cinema empírico (e não primitivo), fundado antes sobre a experiência (e na experimentação) do que em conceitos. Em suas fitas os movimentos, as ações e personagens não apenas parecem - eles são. Em sendo assim, as pornochanchadas invadiram o mercado de modo ubíquo e se caracterizaram por serem produzidas em série, no mais literal sentido da palavra industrial. Eram levemente eróticas, sem sexo explícito, derivadas das chanchadas (porcaria em espanhol paraguaio) e indiretamente do Teatro de Revista. Apesar de terem baixíssimo custo, eram altamente lucrativas. De acordo com seus defensores, contribuíram para 'deselitizar' o cinema brasileiro, levando as classes C, D e E às salas de projeção. Pelos críticos de arte é considerada decadente e de qualidade inferior à velha chanchada musical. Apenas as tramas "Adultério à Brasileira" (1969), "Ainda Agarro Essa Vizinha" (1974) e "A Viúva Virgem" (1972) foram elogiadas pela crítica especializada daquele período. SANTOS (2003) informa que desde o dia 4 de Setembro de 1987 a Boca-do-Lixo ficou sem um de seus maiores ideólogos. Aos 59 anos, Ody Fraga morreu lá mesmo, na Boca, mais exatamente na rua do Triunfo, com os pulmões enfraquecidos pelo cigarro. Autor de mais de 50 roteiros - inclusive algumas novelas de TV, como "O Preço de Um Homem", "Bel Ami" e "Vendaval" - diretor de mais de 20 filmes, entre eles "Vidas Nuas" de 1968, que realmente deslanchou a Pornochanchada ou "Fome de Sexo", um pornô explícito. Foi grande apologista do hedonismo: "a pornografia é o sexo sem vergonha de si mesmo" disse à revista "Status" em 1982; foi um homem de excessos. Homem tão pornográfico quanto letrado, é provável que ele incomodasse um pouco mais do que devia. Dizia sempre que a USP fazia a teoria de cinema, mas que cinema mesmo, sua prática, acontecia na 'Boca'. Em relação a este diretor, ABREU (2000) confessa que: "Conheci Ody Fraga no início da década de 80. Nessa época os alunos do curso de cinema da USP querendo a prática quase inexistente na escola, procuravam aproximar-se do local onde, efetivamente, se fazia cinema: a Boca. Depois de algumas incursões com esses alunos, a rua do Triunfo perdeu o mistério. Nesse período, o cinema que lá se fazia era a 'pornochanchada', que até deu tese universitária. Na época, esse produto estava distante das concepções estéticas Uspianas, aquelas que engendravam obras-primas definitivas. Nos tempos da censura perversa, a pornochanchada, esse gênero de cinema 'mostra não-mostra', avançando centímetro a centímetro em direção do gozo vicário, era parte significativa da industria cinematográfica brasileira. Na Boca fazia-se cinema e, por isso, os alunos estavam lá. Mas como chegaram, se foram. Dessa passagem, restaram-me algumas amizades. Ody, por exemplo.
Outro importante diretor da 'boca' foi Tony Vieira (1938-1990). Ex-trapezista de circo, ex-baleiro, ex-locutor de rádio. O mineiro Mauri de Queiroz (seu nome verdadeiro) trabalhou vários anos como funcionário de uma TV de Belo Horizonte e cursou teatro universitário. Mudou-se para São Paulo onde teve sua chance como ator em um seriado onde vivia um motorista de táxi e participou de pontas em novelas. No cinema começou em filmes de seu amigo Edward Freund. Foi assistente de Mazzaropi e descobriu sua vocação para papéis de durão em aventuras rurais como "Panca De Valente" (1968), "Corisco, O Diabo Loiro" (1969) e "Uma Pistola Para Djeca" (1969). Foi também galã de Pornochanchadas, mas seus papéis de cowboy-caipira o marcaram mais. Passou a produzir, dirigir e atuar em faroestes e policiais 'vagabundos' com alto apelo erótico, violência e cenas de ação. Durante quase dez anos disputou com David Cardoso a coroa de 'o machão da Boca-do-Lixo'. Porém seus filmes eram bem mais divertidos. Criou um tipo de herói solitário e implacável, aproveitando seus dotes artísticos circenses e sua cara de malvado. Fazia par romântico com Claudete Joubert e passou a produzir para outros diretores como Wilson Rodrigues ("Liberdade Sexual", 1979; "A Dama do Sexo", 1979; "As Taras de Uma Mulher Casada", 1981, por exemplo). Ele realizou também algumas co-produções no Paraguai, tais como "O Último Cão de Guerra" (1979), em que vivia um mercenário contratado por um magnata para resgatar sua filha numa espécie de campo de concentração de traficantes paraguaios. Muitos tiros, explosões, lutas fakes e garotas nuas. Na metade dos anos 1980 Tony Vieira precisou, por questões financeiras, dedicar-se aos pornôs, que assinava com seu nome verdadeiro, Mauri de Queiroz. Em 1987 tentou retomar seus filmes de ação com "Calibre 12", que fracassou principalmente devido à má distribuição. Faleceu sem dinheiro e praticamente esquecido por seu público.
Assista abaixo a uma cena do filme "A fêmea do mar (1984) com Aldine Muller, uma importante musa da pornochanchada na década de 80.

fonte: http://www.pcrc.utopia.com.br/PORNOCHANCHADA&bl=y